terça-feira, 1 de maio de 2007

Comentário jurisprudencial

Comente este excerto do Acórdão do TJCE de 14 de Junho de 2001, no Processo n.º C-230/00.

"Resulta desta jurisprudência que uma autorização tácita não pode ser compatível com as exigências das directivas visadas pela presente acção, uma vez que estas prevêem (...) no que respeita à Directiva 85/337, processos de avaliação que precedem a concessão de uma autorização. As autoridades nacionais são, por conseguinte, obrigadas, nos termos de cada uma destas directivas, a examinar, caso a caso, todos os pedidos de autorização apresentados".

Encontram o texto do Acórdão aqui.
Econtram as conclusões do Advogado-Geral aqui.

7 comentários:

Bernardo disse...

Para percebermos a incoerência desta solução – omissão de actuação de autoridade administrativa licenciadora equivaler a deferimento tácito – é importante compreender a finalidade da AIA: face a determinados projectos, é fundamental que haja uma avaliação que preveja quais as hipotéticas consequências negativas que tais empreendimentos possam trazer para o Verde. Está-se, desta forma, a obedecer ao princípio da prevenção, evitando lesões futuras do meio-ambiente.
Aceitar que o silêncio das autoridades administrativas licenciadoras dê lugar a um deferimento tácito é, pois, um contra-senso, pois o que houve foi uma total ausência de juízo prognose quanto às consequências ecológicas do projecto em questão.
Pelo que lemos nas conclusões do Advogado-Geral, é este, também, o seu entendimento, bem como o do TJCE: “(…)é incontestável que tais autorizações tácitas são incompatíveis com as exigências das directivas acima referidas (…)”. Afirma o mesmo Advogado-Geral que “se aplica a exigência de um acto expresso imposta pela jurisprudência”.
Fundamental é compreender, no entanto, com o Professor VPS, que o acto de deferimento tácito não corresponde à aprovação do pedido de licenciamento, pois que ainda terá lugar, em momento posterior, a ponderação das vantagens e inconvenientes do projecto para o ambiente, a preceder a licença requerida.
bernardo castro

Diana Grilo disse...

Na verdade, em termos mais gravosos que o Estado Belga (condenado pelo TJ, no processo em epígrafe, por incumprimento da Directiva Comunitária), cuja legislação apenas admite o Deferimento Tácito em segunda instância de recurso, parece que o regime legal português encontra-se manifestamente em contradição valorativa com as imposições comunitárias que, esclareça-se já, são mais sensatas.

De facto, o artigo 19º/1 do Regime de Avaliação de Impacte Ambiental contrariou a regra geral do regime administrativo português, consagrando uma ficção legal de acto administrativo favorável no caso da autoridade administrativa ficar em silêncio quanto à decisão de impacto ambiental (DIA).

Interpretemos criticamente esta solução legal.

Desde logo, é paradoxalmente estranha a previsão de um Deferimento Tácito em caso de silêncio da entidade competente para a DIA num regime em que uma decisão desfavorável é sempre vinculativa, no sentido de impedir a entidade competente para a decisão final do licenciamento ou da autorização a deferir a pretensão.
Incompreensivelmente, notamos neste ponto uma total subversão dos princípios pressupostos em todo o regime de Avaliação de Impacto Ambiental (AIA), bem como uma contradição com a concepção da DIA como PARECER CONFORME FAVORÁVEL para a entidade licenciadora ou competente para a autorização do projecto.
Todavia, a AIA não origina um simples parecer, mas antes uma decisão jurídica, que ganha a forma de acto administrativo, a qual é marcada por uma ponderação de interesses e de análise de custos ecológicos versus benefícios económicos, em concretização clara dos princípios do desenvolvimento sustentável e do aproveitamento racional dos recursos disponíveis.
Então, se para o licenciamento ou autorização de um projecto é conditio sine qua non a sua compatibilidade ambiental ao ponto de se conceber um procedimento administrativo especial com a função de autonomizar a AIA, é contra-senso entender que, afinal, mesmo que não tenha existido uma DIA no prazo legalmente previsto, o resultado é o mesmo, não fazendo muita diferença!!!
Por aqui percebe-se que esta solução, pouco feliz, é manifestamente incompatível com dois dos mais relevantes princípios jusambientais – O Princípio da Prevenção (que impõe a obrigação de evitar possíveis lesões futuras no meio-ambiente, através de um juízo de prognose das consequências ecológicas de uma determinada medida, o qual deve ter lugar em um momento prévio ao da actuação administrativa que vai desencadear aquela) e o Princípio da Precaução (o qual, através de uma inversão do ónus da prova, impede que qualquer actuação potencialmente lesiva do ambiente seja autorizada).

O argumento do legislador parece ter sido o de que no confronto entre o direito fundamental ao ambiente e o direito fundamental ao exercício da actividade económica, prevalece este, na medida em que os particulares não devem ser penalizados pela inactividade administrativa.
No entanto, parece-me que esta fraca justificação não vinga, até porque os particulares não têm qualquer direito preexistente à emissão da autorização.
Ora vejamos...

Na realidade, o art. 108º/1 do CPA consagra uma norma geral, estipulando que o deferimento tácito é a regra nos casos de aprovação e autorização. Assim, é inequívoco que se prevê, aqui, uma regra do silêncio positivo. É certo que o art. 108º/3 admite que norma especial possa criar novos casos de deferimento tácito, porém, penso que tal está necessariamente dependente da existência dos pressupostos referidos no nº1.
Nestes termos, a questão que se coloca é que tipo de autorização consubstancia o acto de DIA?
O art. 108º/1 pretendeu adoptar a regra de que o Deferimento Tácito vigora em todas as situações em que preexista um direito na esfera do particular, pelo que este apenas necessita de uma mera autorização para o exercer. Assim, entendeu-se que pelo facto de a Administração apenas exercer uma tarefa de mero controlo do exercício do direito, não seria legítima a inviabilização do mesmo pela sua inércia.
Mas será que nestes casos - de licenciamento/autorização de projectos susceptíveis de se repercutir nefastamente no meio-ambiente – já preexiste um direito na esfera do particular proponente da AIA?
Na verdade, parece-me incontestável que na AIA o proponente não goza de qualquer direito antes da DIA, uma vez que a sujeição a um procedimento prévio de AIA representa, ao invés, uma considerável restrição dos direitos de construção e de iniciativa económica dos particulares.
Deste modo, concordo com MARIA ALEXANDRA ARAGÃO, FIGUEIREDO DIAS e MARIA ANA BARRADAS quando inserem estes casos de licenciamento e autorização na categoria de autorizações constitutivas (ou “autorizações-licenças”), não as considerando simples autorizações permissivas. Isto porque estamos perante situações em que foram retirados ao particular alguns direitos, porém, admite-se que a Administração possa a posteriori reatribuir-lhe esses mesmos direitos quando, numa análise casuística, considere que não são ofendidos determinados interesses públicos. De facto, notamos que não é o exercício do direito que está condicionado, mas o próprio direito de iniciativa económica, bem como de ius aedificandi.

Assim sendo, julgo que Portugal incorre numa situação de evidente incumprimento em face da Directiva comunitária 85/337/CEE, na parte em que exige que os “Estados-Membros tomem as disposições necessárias para que os projectos que possam ter um impacto significativo no ambiente sejam submetidos a uma avaliação dos seus efeitos, antes da concessão da aprovação” (art. 2º).
Com efeito, atendendo à especificidade e sensibilidade da matéria em causa, exige-se uma ponderação casuística de todos os interesses concorrentes, a qual não se compadece com decisões automáticas e arbitrárias.

Além disso, podemos tecer algumas críticas ao acto de deferimento tácito concebido nestes termos.

Desde lodo, penso que consubstancia uma permissão legal para a adopção de actos ilegais (porque não existiu uma avaliação prévia do ponto de vista da legalidade), pondo em causa, em geral, toda a coerência do Ordenamento Jurídico Português e, em particular, o principal interesse público subjacente em todo este procedimento – a prossecução do “direito a um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado”.

Por outro lado, tratando-se, na maioria dos casos, de relações multilaterais, muitas vezes acresce ainda a eventual agressão à esfera jurídica de eventuais terceiros contra-interessados, os quais aspiravam legitimamente a uma decisão expressa da Administração. Apesar do instituto do deferimento tácito ser normalmente olhado como benéfico para o particular e, correlativamente, penalizador da Administração faltosa que não adoptou a decisão durante o lapso temporal em que o deveria ter feito, esta visão, hoje em dia, é muito simplista, pois temos também que ter em conta possíveis implicações que aqueles procedimentos, que aparentemente apenas respeitam ao requerente e à Administração, possam ter sobre terceiros.
Assim, este instituto tem a virtualidade negativa de beneficiar certos particulares não só em detrimento da Administração, mas também em prejuízo de outros particulares. Ora, isto não me parece ser admissível sem a existência de uma ponderação cuidada, no sentido de saber se o interesse do solicitante ficaria mais prejudicado com a não adopção da regra do deferimento, pelo silêncio da Administração, do que o interesse público e outros interesses particulares ganhariam com essa circunstância.

Outro aspecto preocupante desta regra prende-se com o facto do deferimento tácito potenciar a criação de determinados vícios da Administração Pública, pois corre-se o risco de esta, contando com as consequências do silêncio administrativo, subverter o modo normal de terminar aquele procedimento administrativo. E esta preocupação assume uma particular relevância se atendermos aos índices crescentes de corrupção do nosso país.
Neste sentido, o deferimento tácito pode funcionar, também, como desresponsabilizador da decisão administrativa

Em suma, considero que o art. 19º, além de estar em contradição com o Direito Comunitário, padece de inconstitucionalidade por violação de alguns princípios fundamentais constitucionais em matéria de ambiente – Princípio da Prevenção e da Precaução (art. 66º/2 a) CRP), princípio do desenvolvimento sustentável (art. 66º/2) e princípio do aproveitamento racional dos recursos disponíveis (art. 66º/2 d) CRP).

Por tudo isto, urge haver vontade política em alterar esta regra (tão evidentemente descabida no nosso regime legal actual!!!) o mais depressa possível, de modo a antecipar a tão inevitável sanção comunitária.

Em jeito de conclusão, penso que, em última análise, a solução alternativa menos má, passaria pelo estabelecimento do indeferimento tácito, atendendo à jusfundamentalidade dos interesses que estão em causa na AIA, os quais, em minha opinião, nunca poderão ser ofuscados, pelo menos numa análise abstracta, por meros interesses económicos de alguns particulares!

Para terminar cumpre citar um excerto do Acórdão do TJ, referenciado em epígrafe, conclusivo sobre esta problemática. “As autoridades nacionais são, por conseguinte, obrigadas, nos termos de cada uma destas directivas, a examinar, caso a caso, todos os pedidos de autorização apresentados”.

Alexandra Borges disse...

O excerto do Acórdão citado versa sobre autorizações tácitas das autoridades nacionais. Estas também estão patentes na legislação portuguesa. De facto refere o artigo 19º do D.L. 69/2000 de 3 de Maio “ considera-se que a DIA é favorável se nada for comunicado à entidade licenciadora ou competente (…)”.
A solução é incompreensível, dada a importância da avaliação de impacte ambiental. O seu papel é fundamental para a tutela ambiental e efectivação do princípio da prevenção. Esta omissão da administração contraria a regra geral do indeferimento dos artigos 108º e 109º do C.P.A. e só se consegue de certa forma admitir na medida em que o deferimento tácito não conduz sem mais à aprovação do pedido de licenciamento do projecto. Há pois que dar lugar à ponderação ambiental, obrigatoriamente, através da posterior licença ambiental, prevista no D.L. 194/2000 de 21 de Agosto. Todavia, não se poderá deixar de criticar a solução como explica o Professor Vasco Pereira da Silva “é um contrasenso considerar que a avaliação de impacto ambiental é tão importante, tão importante que deve dar lugar a um procedimento especial e, logo a seguir, considerar que tanto faz que ela tenha lugar, como não, porque o resultado é o mesmo.”
Além disso, consistindo o diploma 69/2000 de 3 de Maio numa transposição da Directiva nº 85/337/CEE, do Conselho, de 17 de Junho, esta deveria ser respeitada por força do artigo 8º/3 da Constituição portuguesa, ora, como explica o advogado geral “tais autorizações tácitas são incompatíveis com as exigências” da Directiva referida.
Alexandra Borges

T. disse...

O Acórdão apresentado resultou de um processo que opôs a Comunidade Europeia e a Bélgica, devido ao facto de na legislação desta ter sido consagrada a figura do deferimento tácito. Esta situação não é estranha ao nosso ordenamento jurídico, já que no DL 69/2000, o art. 19º, n.º 1 prevê expressamente que a omissão de actuação da autoridade administrativa no prazo indicado equivale ao diferimento tácito de avaliação de impacto ambiental.
Esta solução é amplamente criticada devido à ratio do procedimento de avaliação de impacto ambiental. De acordo com o art. 1º, n.º1, o diploma aplica-se aos projectos susceptíveis de produzirem efeitos significativos no ambiente, realizando deste modo o princípio da prevenção e o princípio do desenvolvimento sustentável, constitucionalmente consagrados. Nos termos do princípio da prevenção, deve ser feito um juízo de antecipação de situações potencialmente perigosas para o ambiente, de modo a permitir a adopção dos meios mais adequados para afastar ou minorar as suas consequências. Por sua vez, o princípio do desenvolvimento sustentável obriga a uma ponderação de todos os benefícios económicos e prejuízos ambientais de uma determinada medida, devendo a decisão ser devidamente fundamentada.
Não perdendo de vista estes dois princípios, não se compreende a consagração do deferimento tácito no procedimento de avaliação de impacto ambiental. O preceito em análise está ferido de uma inconstitucionalidade grosseira.
Acresce ainda o facto de o procedimento de avaliação de impacto ambiental assumir uma complexidade extrema, exigindo a “realização de estudos, e consultas, com efectiva participação pública (…)” (art. 2º, al. e), de modo a estabelecer as consequências em termos ambientais do projecto em causa. A AIA não se pode compadecer com uma ficção de decisão favorável, quando o próprio regime do DL 69/2000 a isso se opõe.
Assim, o facto de existir um deferimento tácito, não dispensa que, em momento posterior (em sede de obtenção de licença ambiental, por exemplo), seja ponderada em termos efectivos a dimensão ambiental do projecto em causa. Só deste modo se assegura a protecção ambiental exigida pela nossa Constituição.

Amarela disse...

A importância deste Acórdão, para o caso português é óbvia: trata-se de um aviso velado de que qualquer espécie de deferimento no âmbito de um procedimento de avaliação de impacto ambiental é contrário ao direito comunitário. Logo, e por maioria de razão, ao estabelecer um regime como o do art. 19º/1 do RJAIA, Portugal está a incorrer numa situação de incuprimento do direito comunitário com todas as consequências que daí podem advir:
1. possibilidade de condenação de Portugal numa acção por incumprimento no TJCE;
2. necessária desaplicação do art. 19º/1 da parte do tribunais;
3. obrigação do Estado Português de alterar o regime legal.

Finalmente, gostaria de deixar uma pequena reflexão sobre o porquê desta decisão. De facto, o deferimento tácito é utilizado em situações em que se considera que o particular não deve ser prejudicado pela ineficácia da actuação da AP, porque ele verdadeiramente já tem um direito que está simplesmente condicionado (o caso paradigmático da autorização). No caso do direito do ambiente, mesmo para certos projectos (e seguindo a teoria que inclui o ius aedificandi no direito de propriedade) nunca será este instituto aqui admissível, tendo em conta o valor de bem constitucional de que o ambiente goza (tanto objectivamente como subjectivamente - porque estamos perante relações multilaterais).
Assim, e porque "valores mais altos se alevantam", nunca pode o deferimento tácito ter consagração nestas matérias.

Para terminar, cito uma passagem do Acórdão que em tudo corresponde à nova orientação do contencioso administrativo português: "As autoridades nacionais são, por conseguinte, obrigadas, nos termos de cada uma destas directivas, a examinar, caso a caso, todos os pedidos de autorização apresentados.".

Ou seja, o direito a obter uma resposta do particular e o dever de decidir da AP são duas faces da mesma moeda e levam a uma única solução possível: a consagração de formas de tutela que levem a que a AP seja condenada pela sua falta e não institutos legais que sejam verdadeiros cúmplices na sua inércia.

Anónimo disse...

O deferimento tácito, expresso no art. 19.º do RJAIA, não viola a Directiva n.º 85/377/CE, do Conselho, de 27 de Junho, alterada pelas Directivas n.º 97/11/CE, do Conselho, de 3 Março e 2003/35/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Maio, não tendo estas sido mal transposta.

A matéria foi julgada pelo Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias (TJ), no acórdão de 14 de Junho de 2001, Comissão c. Bélgica, processo n.º C-230/00, como se aqui refere.

O TJ condenou a Bélgica por incumprimento do direito da União porque entende que o regime belga de deferimento tácito, em recurso a anterior indeferimento expresso, viola o artigo 2.° da dita Directiva 85/337, que obriga os Estados-Membros a decidirem sempre (por deferimento ou indeferimento expressos, e nunca por qualquer meio tácito – acórdão de 28 de Fevereiro de 1991, Comissão/Alemanha, C-131/88, Colect., p. I-825, n.° 38) sobre os efeitos, antes de concessão da aprovação, de projectos que possam ter um impacto significativo no ambiente, avaliando-os.

Nas conclusões apresentadas pelo Advogado-Geral, a directiva tem por objecto “as autorizações a conceder por diversas actividades susceptíveis de afectar o ambiente, precisando quer “as condições detalhadas quanto aos dados que devem constar de tais autorizações”, quer “as garantias de que se deve rodear a autoridade competente, que tem o dever de fixar, por meio de diversos estudos, um determinado número de elementos, antes de deferir a autorização pedida”.
E “na falta de tais actos, não é possível assegurar que as autorizações só sejam concedidas depois de reunidas todas as condições colocadas pelas directivas, tanto relativas ao conteúdo das autorizações como aos processos de estudos prévios à sua concessão”.
A Bélgica admite que essa garantia não existe.

Contudo, ao contrário da Bélgica, o art. 19º do Regime Jurídico de Avaliação de Impacto ambiental, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 69/2000, de 3 de Maio, alterado pelos Decretos-Lei n.º 74/2001, de 26 de Fevereiro, 69/2003, de 10 de Abril, e 197/2005, de 8 de Novembro, e pela Lei 12/2004, de 30 de Março, não viola a Directiva em causa..
Nesse sentido, invocam-se os seguintes argumentos:

i)A directiva obriga a que haja uma avaliação dos efeitos de certos projectos no ambiente, sujeitando-os a uma valoração específica dos seus efeitos, antes de concedida a autorização final do procedimento – art. 2º n.º 1 da Directiva;
ii)Essa avaliação pode até constar do próprio procedimento de licenciamento e não ser nem objecto de procedimento à parte, nem de decisão administrativa especifica, nem feito por uma entidade especial – art. 2º n.º 2 e 3 da Directiva. Esta basta-se uma valorização dos efeitos do projecto no ambiente na decisão final de ponderação. Ou seja: no limite, impõe-se, pelo menos sempre, uma valoração conjunta do impacto ambiental do projecto com a aprovação final de licenciamento, no acto de decisão final sobre o projecto;
iii)Assim, para a Directiva o que é importante é que se faça sempre um EIA, que haja a possibilidade de consulta pública, que se observe e se assegure especialmente os casos de projectos de impactos transfronteiriços entre os Estados-Membros da UE e uma decisão final sobre o projecto que tenha sempre em conta o seu impacto ambiental: é este o conteúdo valorado da decisão final sobre o impacto ambiental – arts. 3º e 5º a 7º da Directiva. E esta quando seja específica no procedimento autorizativo global, que não tem de o ser necessariamente, pode nem sequer ser vinculativa, veja-se o art. 8º da Directiva;
iv)Nestas matérias enunciadas, o RJAIA até vai longe: isso resulta dos seus arts. 1º n.º 1, 5º a 18º e 20º e todos os anexos do RJAIA;
v)Segundo o RJAIA, sendo o projecto obrigatoriamente a ele sujeito, o procedimento de AIA só se inicia após a apresentação pelo proponente do seu EIA à entidade licenciadora – 12º n.º 1 – só se iniciando a contagem do prazo para um possível deferimento tácito a partir data em que a autoridade de AIA recebe o projecto – 19º n.º 1 e 13º n.º 1. O que significa que ele é sempre feito e será a base das decisões administrativa sobre a matéria;
vi)Mesmo que a autoridade de AIA não actue mais, nem por isso o público interessado fica prejudicado, pois nos termos gerais pode sempre aceder aos documentos que constam do procedimento, como têm legitimidade procedimental de actuação – art. 53º CPA e art. 6º da Lei 19/2006, de 12 de Junho. Além disso, o EIA é de divulgação obrigatória – art. 23º n.º 1 a) RJAIA. Portanto a participação é sempre possível;
vii)No caso português, em caso de deferimento tácito não só isso não implica um deferimento do projecto final, como a entidade licenciadora tem sempre em conta o EIA realizado e as eventuais consultas administrativas e pública realizadas;
viii)Nem se argumente que a DIA é baseada exclusivamente numa avaliação técnica, pois a DIA é um juízo político e administrativo do Ministro do Ambiente, mesmo com proposta de decisão final desfavorável pela autoridade de AIA, tal como será no caso da decisão final, depois de deferimento tácito, do Presidente ou o da própria Câmara Municipal;
ix)Mais: o procedimento de AIA e a própria decisão têm em consideração os efeitos ambientais e sociais do projecto – art. 2º j) e isso é permitido pelo art. 2º n.º 3 da Directiva: se em casos excepcionais podem os Estados-membros dispensar a AIA, por maioria de razão podem sujeitá-la a considerar outros factores. Assim, no procedimento têm que entrevir outras entidades administrativas para avaliarem desses factores. Logo, se o particular também tivesse que esperar sempre por esses pareceres correr-se-ia o risco de nunca haver projecto aprovado;
x)O art. 19/5º do RJAIA é fundamental, pois impõe que neste caso a autoridade licenciadora tenha em conta todos os elementos do processo, e sempre o EIA, não os podendo negligenciar, o mesmo que faria o Ministro, num juízo político e administrativo, bem como todos os que constem, quando possível, do art. 17º;
xi)Assim, sempre e em qualquer caso, por força do art. 19/5º do RJAIA é feita uma AIA, com base pelo menos do EIA, e ela é sempre valorada na decisão final sobre a viabilidade do projecto. Só se assim não fosse, haveria uma violação da Directiva;
xii)Se há sempre uma AIA do projecto seria desrasoável onerar o particular com a necessidade imperativa de um acto expresso;
xiii)O acto expresso não afecta o núcleo nem viola qualquer direito fundamental, como é um meio de tutela da confiança do particular contra a lentidão administrativa.

eduardo alves disse...

Não concordo com o sentido nem o alcance deste acórdão do TJCE. A autorização tácita, deferimento tácito no nosso caso, é compatível com a directiva em causa. Esta directiva não impõe que a avaliação de impacto ambiental seja vinculativa, apenas impõe que os Estados consagrem um sistema de ponderação das consequências ambientais de determinadas actividades humanas. No caso português o deferimento tácito surge como uma consagração do princípio da segurança jurídica, princípio basilar do Estado de direito democrático (artigo 2º da CRP). O deferimento tácito é um direito concedido ao particular que não terá de esperar eternamente por uma decisão administrativa. Entre nós o processo inicia-se com a apresentação do estudo de impacte ambiental pelo proponente do acto, desde que este seja objecto de consulta pública não me parece que exista qualquer violação da directiva. Tanto mais que a existência de deferimento tácito não impede que a entidade licenciadora indefira o projecto em causa, se considerar que os efeitos adversos para o ambiente ultrapassam em muito os benefícios, se forem equivalentes considero que se está numa margem de decisão discricionária. Assim penso que está respeitado o âmbito da directiva pois não se excluiu a avaliação das consequências ambientais quando exista deferimento tácito. Pode porém existir responsabilidade das entidades que inviabilizou a conclusão da avaliação de impacte ambiental em tempo útil, embora devido ao elevado número de entidades envolvidas isso se prove difícil na maioria dos casos. O afastamento do deferimento tácito eliminaria um direito essencial dos cidadãos, mais uma machadada na da actuação democraticidade comunitária. Como se não fosse suficiente a claramente insuficiente legitimidade democrática de muitos órgãos comunitários.