segunda-feira, 14 de maio de 2007

Petição Inicial (Subt 11)

Exmos. Senhores
Juízes de Direito do Tribunal
Administrativo de Círculo de Loulé


A Associação de Defesa do Ambiente de Vale das Rãs, com sede na Rua Verde, 3980-199 Rãs do Mar, concelho de Loulé, com nº de registo 5/L no Registo Nacional de ONGA e Equiparada; e Olívia da Serra, com residência na Rua do Prado, nº 5, 3980-199 Rãs do Mar, concelho de Loulé, na qualidade de actor popular

vêm propor Acção Administrativa Especial

Contra

Joana da Ilha, residente na Rua da Ganância, nº 4, Rãs do Mar, concelho de Loulé; Ministério do Ambiente, do Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional (MAOTDR); e Município de Rãs do Mar

com os seguintes fundamentos de facto e de direito:

Fundamentos de Facto


1
No dia 1 de Abril de 2006 o R. João da Ilha requereu licença para urbanização e construção do projecto “Ilha dos seus Sonhos”, no âmbito do empreendimento turístico “Vale das Rãs”, já existente.
2
Para tal, pretende realizar todas as obras e medidas necessárias para fazer surgir uma ilha, a uma distância de 5 km ao largo da praia que serve a urbanização “Vale das Rãs”.
3
Com o objectivo de aí proceder à construção de 5 hotéis (sendo um deles subterrâneo, a situar entre a actual praia e a futura ilha), 2 campos de golfe, e 1 aldeamento turístico de luxo.
4
Como é sabido, a área em causa possui um ecossistema delicado onde habitam várias espécies que são importante património ambiental da comunidade.
5
Nomeadamente, a existência da maior colónia de rãs roxas-alaranjadas de Portugal.
6
A construção de mais empreendimentos turísticos na zona vai sem dúvida criar uma grande instabilidade e stress à referida colónia, que ficará despojada do deu habitat natural.
7
Além disso, a criação artificial da ilha gera, em si mesma, inúmeros danos ambientais.
8
O local onde se pretende construir a ilha tem uma depressão que impede a acumulação de areias em excesso, que iria prejudicar a beleza natural da praia, assim como perturbar os cardumes de peixes-azarados que todos os anos ali passam na sua migração para águas mais quentes.
9
Por outro lado, haverá destruição de algas, base da cadeia alimentar, tendo consequências em todo o ecossistema.
10
A construção da ilha teria consequências muito nefastas porque implicaria a fixação de uma estrutura, com aumento de áreas impermeabilizadas, acréscimo no escoamento superficial e redução na recarga dos aquíferos nas áreas construídas.
11
Estes motivos serviram de fundamento ao parecer desfavorável da comissão de avaliação de dia 25 de Outubro de 2006.
12
Por outro lado, durante a consulta pública, que decorreu durante o mês de Setembro, a população mostrou-se descontente com a construção de tal empreendimento por vir descaracterizar ainda mais Rãs do Mar.
13
A construção da ilha, e o consequente acréscimo de turismo que traria, impediria os desportos náuticos que são uma tradição.
14
Até porque a construção do empreendimento “Vale das Rãs”, já existente, não trouxe benefícios para a população ou comércio local.
15
Simplesmente trouxe empresas e turistas que ocupam toda a área na época balnear, prejudicando a indústria piscatória e comércio artesanal.
16
Ou seja, os benefícios sócio.-económicos que tanto foram anunciados há 5 anos não se verificaram e nada indicia que tal venha agora a suceder.
17
Apesar de todos estes graves danos ambientais, o R. MAOTDR, ao contrário do que seria expectável, não tomou qualquer decisão na sequência da proposta da CCDR – Algarve de dia 6 de Novembro de 2006, que reproduzia o conteúdo do parecer da comissão de avaliação.
18
Na sequência de tal falta, o R. Município emite, simultaneamente, licença de urbanização e de construção do projecto, no dia 2 de Maio de 2007.
19
No dia 3 de Maio de 2007 iniciou-se procedimento tendo em vista a emissão de licença ambiental, que continua em curso.
20
No procedimento que levou à emissão destas licenças não houve qualquer discussão pública.
21
Não foram tidos em consideração os pareceres referidos, sendo a fundamentação da decisão unicamente baseada em valores de natureza económica ignorando completamente o problema ambiental que se apresenta.
22
No dia 5 de Maio de 2007 iniciaram-se as obras com vista à construção do referido projecto.
23
Neste curto espaço de tempo, iniciou-se a instalação e preparação do futuro estaleiro de obra, onde tomarão lugar parte das construções e onde se instalarão os materiais, máquinas e outro material de apoio.
24
Parte do estaleiro da obra localiza-se na própria praia do município, a Praia Frágil Amphibia, a qual constitui habitat natural da espécie de sapos Cururu, oriunda do Brasil, que ali se instalou e permanece em perfeito equilíbrio ambiental, sendo hoje considerada um importante espécime da fauna local.
25
Na Praia Frágil Amphibia, encontra-se também um conjunto de dunas de areia, que têm vindo a ser preservadas, através de medidas impulsionadas por várias Associações Ambientalistas e apoiadas pela Município, ao longo dos tempos.
26
As dunas constituem hoje um dos elementos mais caracterizadores desta zona balnear, sendo, de facto, exemplares raros na costa portuguesa devido à permanente delapidação do património natural que compõe as nossas praias.
27
Foi, aliás, tendo em conta estes dois factos, que fazem da praia em questão uma zona de particular interesse ambiental e de particular fragilidade, que, no seguimento de vários apelos e acções de Associações Ambientalistas, como a A. , e da população em geral, o Município elaborou e concretizou um conjunto de medidas que permitiram a concessão da Bandeira Azul.
28
Para a instalação do estaleiro foram movidas grandes quantidades de areia com o objectivo de nivelação dos terrenos envolventes, sendo que, se está a alterar a morfologia característica do terreno e que permite a preservação das espécies nele existentes.
29
Foram também retiradas grandes quantidades de areia das dunas, para serem utilizadas na construção da ilha, sendo já visíveis as consequências nefastas para as mesmas, que começam a desaparecer.
30
A Praia Frágil Amphibia está repleta de retroescavadoras, empilhadores, escavadoras, pás carregadoras e outra maquinaria industrial, assim se impedindo um normal acesso e circulação na praia pelos banhistas nesta época balnear.
31
Os turistas e munícipes de Rãs do Mar vêem-se impedidos de aceder à praia e usufruir deste bem público que também lhes pertence e assim gozar a época balnear que agora se inicia.
32
O património ambiental vê-se gravemente ameaçado e já danificado.
33
Antevêem-se as consequências nefastas para o ambiente e ordenamento do território, não só em termos de alteração das características da zona, como também em termos de poluição da água e ainda de alteração das correntes marítimas, a qual poderá alterar o ecossistema existente e eliminar algumas das espécies existentes.
34
Em resposta aos protestos da população, António Deixa Andar, Presidente da Câmara Municipal de Rãs do Mar, limita-se a acusar a população de não compreender os caminhos do progresso e de qualificar as AA. de “Eco-xiitas”.

Fundamentos de Direito

35
O artigo 19º do Decreto-Lei nº 69/2000, de 3 de Maio, que consagra o deferimento tácito, está ferido de inconstitucionalidade por violar os princípios da prevenção e do desenvolvimento sustentável, consagrados nos artigos 9º e 66º da Constituição.
36
Mesmo que assim não se considerasse, o Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias decidiu no caso Comissão c. Reino da Bélgica (Processo C-230/00) e no caso Comissão c. Alemanha (Processo C-131/88) que “uma autorização tácita não pode ser compatível com as exigências das directivas visadas” e que “as autoridades nacionais são, por conseguinte, obrigadas, nos termos de cada uma destas directivas, a examinar, caso a caso, todos os pedidos de autorização apresentados.”.
37
Estes argumentos, por maioria de razão, aplicam-se necessariamente à legislação portuguesa, estando portanto esta norma em clara violação dos princípios do primado e efectividade do direito comunitário (tal como definidos pela jurisprudência comunitária) e, consequentemente, em violação do artigo 8º/4 da Constituição.
38
O acto de deferimento tácito é nulo, por violação do artigo 133º/2 c) e g) do Código de Procedimento Administrativo, já que estamos aqui perante um acto com conteúdo legalmente impossível e em violação do direito fundamental ao ambiente.
39
Isto significa que os actos de licenciamento de urbanização e construção são também eles nulos, por violação do artigo 20º/1 do Decreto-Lei 69/2000 de 3 de Maio, como prescreve o artigo 20º/3 do mesmo diploma.
40
A agravar o caso, o R. Município emitiu as licenças antes da concessão de licença ambiental, pelo que também há violação do artigo 22º/1 do Decreto-Lei 194/2000 de 21 de Agosto, sendo a consequência a nulidade, nos temos do artigo 22º/3 do mesmo diploma.
41
Mesmo que assim não se considerasse, sempre os actos seriam nulos, em aplicação do art. 133º/2 g) do Código de Procedimento Administrativo, já que foi violado o dever fundamental de audiência prévia dos interessados (artigo 100º do Código de Procedimento Administrativo e 267º/1 da Constituição), sendo que neste caso era obrigatória a realização de uma discussão pública, imposta pelo artigo 22º/5 do Decreto-Lei 555/99 de 20 de Dezembro e pelo Plano Director Municipal de Rãs do Mar).
42
Como resultado do início dos trabalhos, foram já causados vários danos, com destruição de dunas e ocupação da praia. Assim, e nos termos do artigo 52º/3 da Constituição e do artigo 22º da Lei 83/95, de 31 de Agosto, devem os RR. ser condenados ao pagamento de uma indemnização pelos danos que foram causados ao ambiente.

Termos em que
, e nos demais de direito, que Vª Exª doutamente suprirá, deve a presente acção ser julgada procedente e:
- declarada a nulidade do acto de deferimento tácito do R. MAOTDR com base nos artigos 133º/2 c) e g) do Código de Procedimento Administrativo, 8º/4, 9º e 66º da Constituição;
- declarada a nulidade do actos de licença de urbanização e de construção do R. Município de Rãs do Mar por violação dos artigos 20º/1 do Decreto-Lei 69/2000 de 3 de Maio, 22º/1 do Decreto-Lei 194/2000, 100º do Código de Procedimento Administrativo e 267º/1 da Constituição, com fundamento nos artigos 133º/2 g) do Código de Procedimento Administrativo, 20º/3 do Decreto-Lei 69/2000 de 3 de Maio e 22º/3 do Decreto-Lei 194/2000;
- condenados os RR. no pagamento de uma indemnização por danos difusos ambientais no valor de 50.000 €, com fundamento nos artigos 52º/3 da Constituição e 22º da Lei 83/95, de 31 de Agosto.
Ana Nicole Fortunato
Ana Sofia Correia
Heloísa Oliveira
Maria Antónia Tigre

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