quarta-feira, 16 de maio de 2007

O DIREITO PENAL EM DEFESA DO AMBIENTE

“A revisão do Código Penal em 1995, veio introduzir pela primeira vez os chamados “crimes contra o ambiente” constituindo um exemplo de neocriminalização no domínio em que a evolução técnica, económica ou social tornou possível comportamentos potencialmente danosos para os interesses de terceiros ou da colectividade”.

(André Teixeira dos Santos, “O crime de poluição (art.279º, do Código Penal): o conceito de «poluição em medida inadmissível»”).
Qual o sentido e alcance desta afirmação?

Sara Raquel Guimarães Fernandes
Ana Isabel Santos Silva

5 comentários:

ana isabel silva disse...

O despertar de consciências para o problema que representa a crescente interferência intencional do homem no ambiente, pela afectação de recursos naturais às suas necessidades vai obrigar à intervenção do Direito Penal nesta jovem área do direito que é, nem mais nem menos, o Direito do Ambiente.
A poluição atinge o equilíbrio e a qualidade do ambiente. O homem através da sua conduta poluidora contribui para que os recursos naturais ainda existentes, rapidamente se esgotem. A finitude dos recursos é uma realidade que, infelizmente, se afigura como certa, pelo que, ao poluir o meio ambiente, o homem coloca em causa a liberdade de uma existência com qualidade ambiental e a solidariedade intergeracional na medida em que se priva as gerações vindouras da possibilidade de optarem por viver num ambiente equilibrado e com qualidade.
Todavia, conforme refere Claude Bernard, se “tudo é veneno e nada é veneno” também a poluição é um mal proibido e não proibido.” A diferença, tal como o veneno reside na “dose” ou no grau de poluição e no seu ritmo”.
É com base nesta ideia de que a diferença está na “dose”, respeitando o Princípio da subsidiariedade do Direito Penal, que o legislador vai no art. 279º do Código Penal (doravante CP) proibir, não toda a poluição mas tão só a poluição “em medida inadmissível”. Assim, pretende-se atingir uma protecção penal do ambiente com qualidade. Consequentemente, impõe-se a existência de um mínimo ético que tem de ser tutelado de acordo com as necessidades actuais da colectividade e com um quadro constitucional de referência.
O Direito Penal é, então, invocado para punir condutas que atentam contra o bem jurídico ambiente com vista a manter a sua qualidade e equilíbrio naturais. Esta ideia é digna de tutela constitucional, nomeadamente, pelos artigos 62º; 9º/d) e e); 81º/a) e n) e 96º/1/d) e nº2, todos da Constituição da República Portuguesa.
Parafraseando José Albuquerque “ A consagração dessa tutela, no art. 279º do CP é exemplificativa da correspondência axiológica entre a função protectora de bens jurídicos, pelo Direito Penal, e o correspondente quadro constitucional inspirador”. Refere, ainda, o delegado do Procurador da República que “a necessidade de preservar o equilíbrio ecológico e a biodiversidade assente na constatação de que o mundo vivo é um tesouro medicinal, é um vasto celeiro, uma «mina» para a indústria e na constatação de que a destruição de um elo de uma cadeia de vidas (pela eliminação de uma espécie) não fica impune para o futuro”. Preservar e defender o ambiente reconduz-se à salvaguarda da dignidade da pessoa humana que representa o coração do Direito Penal.
Não obstante, a protecção penal ambiental não é isenta de criticas. Muitas são as dúvidas e considerações que se vão tecendo em torno das disposições relativas à protecção do meio ambiente.
Desde logo, a inserção sistemática do artigo 279º leva a considerar que a poluição constitui um crime de perigo comum, ou seja, o risco da acção potenciadora de dano dirigir-se-ia a uma pluralidade de bens jurídicos incertos. Todavia, é entendimento comum que o crime de poluição está estruturado como um crime de resultado – dano – no qual funciona uma condição objectiva de punibilidade que se traduz na “ cominação da poluição com as penas…”, feita pela administração ao agente.
A dissonância entre a natureza do crime de resultado de dano que representa a poluição e a sua inserção sistemática detecta-se, também, pela leitura do artigo 280º do CP. Este crime é de perigo concreto. Uma vez exigida no nº1 do artigo 280º a verificação da conduta descrita no artigo 279º/1 do CP, está afastada qualquer hipótese de o crime de poluição ter outra natureza que não a de crime de dano.
Atendendo ao disposto no artigo 279º/3 do CP, o crime de poluição parece assentar numa componente de desobediência na medida em que se fala de “medida inadmissível”. Ora, estamos a falar de situações pautadas por valores de emissões poluentes que contrariam de forma evidente, as limitações impostas pela autoridade competente em conformidade com disposições legais ou regulamentares e sob cominação de aplicação de penas previstas no referido artigo.
Numa análise rigorosa das disposições do Código Penal, concluímos que não estamos em face de um crime de desobediência o que resulta da ausência de similitude entre esta situação e o que decorre do artigo 348º CP onde se prevê o crime de desobediência.
Verifica-se, assim, a necessidade a uma conduta – poluição – que, na maioria dos casos, já é sancionada como contra-ordenação. Na verdade, para que se possa conferir dignidade criminal a esta conduta, é mister que se verifique, no caso, um “maius” de ilicitude.
Perante a existência de diplomas que regulam a poluição da água, solos, poluição sonora, de forma análoga à estabelecida no artigo 279º, urge delimitar de forma clara as situações de poluição puníveis como contra-ordenação – às quais se aplicam as disposições constantes nos referidos diplomas ou, por outro lado, estamos na presença de um crime de poluição – punível nos termos do artigo 279º do CP.
Entendemos que, em ambos os casos, se denota uma finalidade preventiva, isto é, há uma expectativa de não verificação do dano ecológico.
A exigência da condição objectiva de punibilidade, para que se verifique um crime de poluição, parece ser o culminar de um conjunto de etapas estabelecidas pela administração, para prevenir o dano ambiental.
A pedra de toque para traçar a fronteira entre contra-ordenação e crime de poluição reside numa complementaridade sucessiva entre eles, separando-os a condição de punibilidade.
Torna-se, assim necessário cuidar pelo respeito do Princípio da proporcionalidade, impondo-se que a administração, na sua actividade e com o amplo poder discricionário que a lei lhe confere, seja criteriosa, em particular nas hipóteses de violação dos limites normativos fixados pelas emissões poluentes, por unidades industriais de sectores específicos.
Outro problema que se coloca à aplicação do crime de poluição consiste no facto de os modos de actuação e fontes de poluição do meio ambiente, se apresentarem de forma variada o que comina na dificuldade no estabelecimento e prova do nexo de causalidade entre o facto e o dano.
Em matéria ambiental – como facilmente se depreende, até se atentarmos à situação de concausalidade, ou seja, quando vários agentes são responsáveis pela conduta poluidora – torna-se muito difícil o estabelecimento de um nexo de causalidade e imputação objectiva. Esta dificuldade é ainda mais difícil de superar na medida em que se trata de avaliar ou não uma conduta como criminosa, o que exige cautelas acrescidas por parte do intérprete/aplicador.
“De iuri condendo” parece que, perante um caso de concausalidade de que resulte a verificação de poluição em medida inadmissível, quando não se prove a medida em que cada um dos agentes poluiu, a indivisibilidade do dano deveria permitir a responsabilização de todos os agentes, pelo menos, por negligência, verificados os requisitos deste.
O próprio estabelecimento do nexo de causalidade ou de imputação objectiva entre o facto do agente e o dano, quando difícil de provar em termos directos, deveria ser consentida em termos de probabilidade forte. Ora, esta solução obriga a uma flexibilização dos princípios que vigoram em sede de prova penal com vista à salvaguarda de valores e bens jurídicas ambientais.
Uma última questão que gostaríamos de abordar a propósito desta temática, prende-se com o facto de o artigo 279º/3 remeter para normas não penais, consubstanciando uma norma penal em branco. Desta forma, aplica-se o regime do erro sobre proibições a resolver nos termos do artigo 16ºCP. Na verdade, esta situação torna ainda mais complicada a punibilidade por crime de poluição, uma vez que as pessoas pautam o seu comportamento de acordo com as limitações e proibições que a lei impõe. Esta realidade agrava-se na medida em que está em causa uma norma penal cuja aplicação condiciona a liberdade do indivíduo. Em suma, o princípio da tipicidade obriga a que a lei seja certa, clara e precisa, contrariamente ao que se verifica no crime de poluição, pelo que, a aplicação da pena correspondente a este crime ainda sofre maiores restrições.
Em conclusão, pensamos que a protecção ambiental não está suficientemente acautelada pela lei penal dados os condicionalismos hoje existentes à sua aplicação. Urge, desta forma, conferir uma maior eficácia à aplicação das normas criminais com vista à preservação do meio ambiente.



Sara Raquel Guimarães Fernandes
Ana Isabel Santos Silva

Miguel M. disse...

Confesso que não compreendo cabalmente o alcance e o sentido da questão, uma vez que a citação nos dá conta dum facto incontroverso: a inclusão, desde 1995, dos crimes contra o Ambiente no Direito Penal português. É, efectivamente, um processo de neocriminalização (criação de novos tipos legais de crime que protegem novos bens jurídicos) e decorre do desenvolvimento da técnica e da tecnologia num sentido que permite que se coloquem em risco bens ambientais.

Presumindo que se procura uma reacção a esse processo de penalização de comportamentos que coloquem em risco o Ambiente, haverá que se dizer que ele apenas evidencia uma inevitável consciência de que o direito ao ambiente, aliás consagrado constitucionalmente de forma objectiva e subjectiva, tem tamanha importância que justifica a intervenção do Direito Penal para protecção das posições jurídicas de vantagem ou do próprio equilíbrio ambiental duma sociedade.

A dignidade constitucional do Ambiente e a possibilidade hodierna de colocar em risco a preservação dos frágeis equilíbrios ecológicos através de atitudes cada vez mais banais, tal como a reconhecida possibilidade de violar o direito de cada pessoa a usufruir de um ambiente saudável, tornam imprescindível a intervenção penal.

Assim se concluindo que a penalização de comportamentos atentatórios do Ambiente nada mais é do que a decorrência lógica do reconhecimento da dignidade constitucional a que é alçado o Direito ao Ambiente.

Anónimo disse...

Os crimes contra o ambiente são consequência de uma valoração político-criminal recente e grave sobre condutas que afectem o bem jurídico ambiente.
Aqui estariam subjacentes duas ideias: primeira, que o ambiente é, em si, materialmente um direito/bem fundamental; segundo, que só a última ratio do direito, o direito penal, poderá protegê-lo eficazmente em determinados casos. Mas será mesmo assim?
Há curiosidades nos tipos penais do Código Penal português em matéria ambiental.
Desde logo, o art. 272º, sobre incêndios, ou o art. 280º, sobre poluição como perigo comum, além do agravamento do 285º, fazem depender a gravidade da pena mais dos efeitos que a conduta cause a outros bens constitucionalmente protegidos pela incriminação do que ao próprio ambiente em si.
Depois as penas dos arts. 278º e 279º dão vontade de rir! Furtar uma bicicleta (203º), ficar com dinheiro emprestado (205º) ou falsificar documentos (256º), vale o mesmo que, por exemplo, "eliminar (…) ou destruir habitat natural ou esgotar recursos naturais" ou "em medida inadmissível poluir águas ou solos (…) ou o ar": vai tudo até 3 anos de cadeia!
O mesmo juízo continua na Lei n.º 19/86, de 18 de Julho, Sanções em caso de incêndios florestais. Por exemplo, veja-se os arts. 1º n.º 2 e 3 da Lei. Ou outros exemplos: vale quase tanto, ou o mesmo até, furtar um automóvel, fazer burla qualificada ou relativa a seguros, ou a informática, abusar do cartão de crédito ou praticar espionagem (muito corrente em Portugal!), arts. 204º n.º 2, 218º n.º 2, 219º n.º 3, 221º n.º 5 b), 225º n.º 5 b), 317º, todos do CP, respectivamente, como incendiar uma floresta (art. 1º n.º 1 da Lei)!
Já a negligência é punida apenas com pena até 3 anos de prisão – art. 2º da Lei. E isto já para não falar das coimas do art. 5º que, salvo o n.º 3, …
Sendo um bocado populista, não será não proteger eficazmente o ambiente, já que se usa a sanção penal, um grave crime contra a pátria, que pune mais o cidadão comum curiosamente (10 a 20 anos de prisão, art. 308º CP) até do que um político (!) (10 a 15 anos de prisão, art. 7º da Lei n.º 34/87, de 16 de Julho)?

Anónimo disse...

Cada vez mais as preocupações climáticas e ambientais ganham relevo nas sociedades actuais. E têm vindo a ganhar tanta importância que, actualmente, constam inclusivé do Código Penal Português.
Tenta-se deste modo proteger, de forma mais prática, rigorosa e adequada, a natureza e a qualidade ambiental bem como o direito ao ambiente e à saúde, em virtude de uma crescente valorização e reconhecimento destes valores, expressos também na Constituição da República Portuguesa.
A incriminação destas matérias constitui uma neocriminalização necessária e imprescindível na medida em que o bem jurídico protegido pertence à comunidade em geral e a cada indivíduo em especial, inserindo-se ainda no núcleo dos seus direitos mais significativos. É um bem fundamental que tem sido alvo de variadas ofensas, razão pela qual esta tutela acrescida se justifica.
Saliente-se ainda que o Direito Penal apesar de subsidiário deve fazer um esforço de actualização ao longo dos tempos, protegendo os bens que se afigure necessário, tal como este em causa.
Este bem, julgado essencial pela sociedade deve assim ser preservado mais seriamente, sancionando-se quem contra ele atentar.
Com a actual revisão do código penal em curso vão-se passar a poder punir também as pessoas colectivas relativamente a crimes ambientais que cometam. Tal é algo de muito significativo, visto serem elas as maiores poluidoras, e, aplicando-se-lhes as sanções convenientes, estar-se-à a desincentivar a práticas destas agressões ao meio ambiente.



João Galrão

Mara Gomes disse...
Este comentário foi removido pelo autor.