quarta-feira, 25 de abril de 2007

Direitos dos animais

Utilizando uma expressão do título da obra do Professor Fernando Araújo, pergunto-vos:

"Chegou a hora dos direitos dos animais?"

13 comentários:

Rita Gomes Pinheiro disse...

A questão dos direitos dos animais é algo que foi sendo alvo de discussão ao longo dos tempos, e que hoje em dia tem suscitado um debate mais aceso, devido à generalização da consciência da necessidade de proteger os animais.
Em Portugal, a primeira preocupação legislativa com os animais chega em 1961 com o Projecto da Comissão do Código Penal Portuguez, na medida em que se previa que a destruição de um animal doméstico seria punida com pena de prisão.
Em 1919, surge a primeira lei relacionada com a protecção dos animais, sendo que só passados cerca de 65 anos volta a surgir outra com vista à protecção dos animais e mesmo assim de uma forma indirecta, na medida em que o Decreto-Lei 317/85 de 2/8 apareceu no âmbito do Programa Nacional de Luta e Vigilância Epidemiológica da Raiva Animal.
Em 1995, nasce a Lei 92/95 de 12/9, constituindo até hoje o principal instrumento legal para a protecção dos animais, quer a nível substantivo, quer a nível processual.
Em 2001, é de destacar o Decreto-Lei 13/2001 de 13/4 (posteriormente modificado pelo Decreto-Lei 315/2003 de 17/12) que veio regulamentar a Convenção Europeia para a Protecção dos Animais de Companhia.

Actualmente, embora haja cada vez mais diplomas de protecção dos animais (quer domésticos, quer selvagens), estes continuam a ser considerados coisas móveis nos termos dos artigos 202º nº1, 205º nº1 e 212º nº3 do Código Civil. Contudo, tal visão dos animais como res, tem vindo a ser contestada por vários autores, que consideram que os animais devem ser tratados como res sui generis, e afirmam que o legislador do Código Civil exprimiu essa vontade ao longo do Código, nomeadamente nos artigos 1318º, 1323º, 493º nº1 e 502º, entre outros.

Quanto à evolução da matéria da defesa dos direitos dos animais no estrangeiro, é de salientar a Declaração Universal dos Direitos dos Animais aprovada em 1978 pela UNESCO. A nível europeu destaca-se o Protocolo relativo à protecção e ao bem-estar dos animais, que teve origem aquando do Tratado de Amesterdão.

Vejamos agora o exemplo que nos é dado por alguns ordenamentos jurídicos europeus, que já estão bastantes avançados nesta problemática.
Na Áustria, é aprovada em 1998 a Lei federal sobre o estatuto jurídico do animal no Direito Civil. È adoptado um conceito amplo de coisa (abrangendo coisas corpóreas e incorpóreas) e estabelece-se que os animais não são coisas.
Na Alemanha, também desde 1990 que o Código Civil estabelece que os animais não são coisas, sendo protegidos por legislação especial.
Apesar de à partida estes desenvolvimentos legislativos mostrarem um carácter positivo, alguns autores austríacos e alemães têm criticado as várias reformas feitas nos respectivos países, considerando que tais alterações não protegem verdadeiramente os animais, mas os donos destes.
Em França, os artigos 524º e 528º do Código Civil, distinguem também claramente os animais dos objectos, sendo-lhes reconhecida protecção em variados domínios. Vejamos dois exemplos, que simbolizam a crescente preocupação com os direitos dos animais neste país: em caso de divórcio, os tribunais franceses podem regular o direito de visita dos animais de companhia; em caso de morte de animal doméstico pode ser conferida ao seu dono uma indemnização pelo dano moral sofrido.
Na Suiça, nos últimos cinco anos têm-se procedido a alterações profundas no campo dos direitos dos animais. Exemplos: os animais de companhia são impenhoráveis; os animais podem ser beneficiários de disposições mortis causa, considerando-se tais disposições como um ónus de cuidar do animal; em caso de dissolução do casamento ou união de facto e em situações de partilha de herança, o tribunal pode adjudicar o animal em litígio à parte que garanta melhor tratamento do animal, sendo que a outra parte pode receber uma indemnização adequada.

Estes e outros exemplos mostram-nos como a protecção jurídica dos animais é um tema cada vez mais presente nos vários ordenamentos jurídicos europeus, e que chegou embora tardiamente a hora dos direitos dos animais.

Na minha modesta opinião, em pleno século XXI, o ordenamento jurídico português já não pode servir de cobertura para práticas degradantes da condição dos animais, como o foi durante séculos. É urgente tomar medidas no sentido quer de dar aos animais o estatuto que eles merecem, quer de assegurar uma maior protecção e respeito pelo bem-estar dos mesmos.

Unknown disse...

A questão que nos é colocada deve ser encarada sob duas perspectivas opostas. A primeira, respeita ao plano internacional e a segunda refere-se ao direito interno.

No plano internacional encontramos, desde logo, a “magna carta” dos direitos dos animais representada pela Declaração Universal dos Direitos dos Animais, ao conferir a protecção do Direito em face da vida e da integridade física do animal. Este marco histórico, que se assume como o resultado positivado de uma alteração de mentalidades em matéria de direitos dos animais, data já de 1978.

No seio da União Europeia (e seguindo esta tendência de conferir uma protecção crescente aos animais até então desprovidos de qualquer regulamentação normativa que lhes conferisse um estatuto digno de tutela jurídica) cumpre destacar o Protocolo anexo ao Tratado de Amesterdão relativo ao bem-estar do animal, assim como, os documentos normativos desenvolvidos pelo Conselho da Europa, com vista a alcançar resultados positivos nesta matéria ao nível de todo o espaço integrado.

Pioneiros em matéria de protecção dos direitos dos animais, a Áustria seguida da Alemanha, França e Suiça, vão introduzir alterações ao nível do direito civil que se traduzem numa ruptura radical com o regime anterior. Desta forma, é atribuído um estatuto jurídico ao animal que o distingue de forma clara e definitiva das “res” inanimadas e que lhe garante uma ampla protecção conferida pela devida aplicação de leis especiais neste domínio.

Não obstante (e fazendo “tábua rasa” do Principio da interpretação conforme que obriga o interprete e o aplicador do direito, como o próprio nome indica, a uma interpretação que se revele conforme com o sentido, economia e termos das normas comunitárias) em Portugal, a evolução em matéria dos direitos dos animais tem-se por morosa e cada vez mais desajustada ao sentimento ético-jurídico da comunidade. Relativamente à evolução operada em matéria de direitos dos animais, é incompreensível que se continue a defender uma perspectiva “antropocentrista”, de acordo com a qual estes não são titulares de quaisquer direitos, ou seja, as normas que visam a protecção dos animais seriam um instrumento ao serviço da protecção das pessoas, já que existiria algum desconforto em percepcionar a desumanidade de alguns membros da comunidade.

Em Portugal, olvidando-se, desde logo, os preceitos fundamentais constantes da Declaração Universal dos Direitos dos Animais, é pacificamente aceite entre a doutrina e pelos juízes do Supremo Tribunal de Justiça, que a protecção conferida pela lei aos animais - de os proteger contra violências cruéis, desumanas e gratuitas - não implica reconhecer-lhes a titularidade de direitos subjectivos à vida e à integridade física. Na nossa ordem jurídica, os animais têm o estatuto jurídico de coisas móveis, o que resulta claramente da leitura dos artigos 202º, nº1, 205º,nº1 e 212º,nº3, do Código Civil. E não se argumente contra esta interpretação, o facto de várias disposições do Código Civil operarem uma distinção gramatical entre animais e coisas móveis como acontece, por exemplo, no artigo 1318º ao estabelecer que “ podem ser adquiridos por ocupação, os animais e outros coisas móveis”. Com esta autonomização gramatical pretende-se somente estabelecer a diferença óbvia entre a categoria de coisas inanimadas, e os próprios animais, o que se afigura aos nossos olhos, como uma solução jurídica hoje mais do que ultrapassada! Conscientes da desadequação da lei em face da realidade fáctica actual, uma parte minoritária da doutrina, apegando-se aos preceitos que, como o referido artigo 1318º, parecem estabelecer uma distinção entre animais e coisas móveis, considera que os animais representam uma categoria especial de objectos de direito.

Na verdade, e mesmo para quem considera, como eu, que o Código Civil português não confere ao animal um estatuto distinto de coisa móvel, “não repugna ao direito civil português, antes se lhe ajusta como uma luva, a classificação dogmática do animal como res sui generis”. A este respeito, refere o PROF. MENEZES CORDEIRO (cfr. Tratado de Direito Civil Português, Tomo II, pág.226), que “ a tutela dos animais integra, pois, plenamente, a cláusula dos bons costumes e, por essa via, o coração do direito civil”.

Atendendo à mudança de mentalidades que se vem verificando no nosso país, no que concerne ao estatuto jurídico dos animais, é mister que se proceda a uma alteração correspondente a esta evolução social, no campo do direito civil.

Demarcando-me completamente da visão obsoleta da nossa lei civil, e admitindo que se possa considerar algo radical a posição que adopto nesta matéria, considero que mesmo a tourada, a pesca desportiva ou a caça, não se justificam na medida em que infligem a morte, o sofrimento cruel e prolongado e graves lesões aos animais. Estas práticas são excepcionalmente admitidas por lei, invocando-se para tal, o argumento da “necessidade”. Salvo melhor opinião, entendo que nestes casos o respeito pelas antigas tradições da cultura portuguesa, não constitui argumento suficiente para que se permita um sofrimento prolongado, seguido da morte dos animais, em prol do divertimento ou “desporto” daqueles que consideram não serem estas práticas bárbaras substituíveis por qualquer outro meio que lhes permita, de igual forma, atingir um nível elevado de satisfação, sem causar sofrimento aos animais. Parece-me retrógrada uma sociedade que, em pleno século XXI, mantém viva uma “tradição” claramente violadora dos direitos dos animais. Este cenário pessimista surge-nos como uma realidade cada vez mais presente, principalmente quando somos confrontados com as decisões do Supremo Tribunal de Justiça que, ao invés de impulsionar uma transformação no sentido de restringir cada vez mais estas práticas desumanas, se vem pronunciando no sentido de, pasme-se, alargar a possibilidade de infligir sofrimento a um número cada vez maior de animais, recorrendo ao argumento da “necessidade”.

Custa-me aceitar que, em face dos avanços notáveis a nível científico e técnico a que hoje assistimos, não se vislumbrem alternativas a estes comportamentos primitivos que persistem em manter-se enraizados entre nós. Uma sociedade que se quer cada vez mais evoluída, não encontrará, com certeza, obstáculos na criação de artefactos mecânicos que se revelem sucedâneos perfeitos dos animais, que são hoje objecto de divertimento injustificado. Todavia, não são movidos quaisquer esforços neste sentido o que, em meu entender, só se compreende na medida em que o gozo alcançado por este tipo de práticas, resulta de um arrepiante prazer em assistir ao sofrimento dos animais.

Em conclusão, sigo uma orientação a favor da natureza e defesa dos animais contra a actividade agressiva do homem. Consequentemente, entendo que o conceito de “necessidade” do recurso a animais para actividades lúdicas deve ser afastado em qualquer caso, uma vez que, mesmo as práticas que se revelam hoje conformes com uma longa tradição cultural, podem ser substituídas por outras, de forma a garantir a correcta defesa dos direitos dos animais. Por ora, as práticas cruéis contra animais continuam a ser protegidas por lei, em prejuízo do preceito da Declaração Universal dos Direitos dos Animais que estabelece que “ todo o acto que implique a morte de um animal sem necessidade é um biocídio, isto é, um crime contra a vida”. Muitos foram os países que, influenciados por este impulso, adaptaram o seu ordenamento jurídico no sentido de conferir protecção à vida e integridade física dos animais. Felizmente para estes chegou há muito a hora dos direitos dos animais. Em Portugal, deseja-se a adopção de padrões ético-normativos de conduta condizentes com o Direito Internacional Geral, o que só fará sentido quando chegar a nossa hora dos Direitos dos animais, o que se deseja que aconteça brevemente.

Anónimo disse...

Cumpre, em primeiro lugar e antes de mais nada, começar por referir que, a problemática dos «Direitos dos animais» encerra em si outra questão com contornos muito mais amplos, começando a falar-se no «direito do ambiente», em vez do «direito ao ambiente», e em «direitos da natureza», numa perspectiva ecocêntrica do ambiente, em que este é visto como um valor em si, por contraposição à perspectiva antropocêntrica, que considera a defesa do ambiente como um meio de defesa do homem e da vida humana, e economicocêntrica, em que a protecção da natureza se relaciona com a demonstração científica do carácter limitado dos recursos não renováveis.

Dito isto, é mister asseverar então, que a nossa posição relativamente à questão vertente, é a opção por uma posição antropocêntrica.

Não nos parece admissível e rigoroso, que no quadro-jurídico actual se possa ir mais longe. Criticámos até quem o faça.

Primo, como é que se relaciona o facto dos animais serem titulares de direitos e ao mesmo tempo objecto de direitos? Devem ficar impedidos os negócios a eles respeitantes?

Secundo, existe alguma especificidade relativamente aos animais não dotados de sistema nervoso central (maxime, dor)? Quem defende a titularidade de direitos dos animais tem que explicar, se uma mosca ou uma minhoca tem os mesmos direitos que um cão ou um gato…

O quadro-jurídico existente, pelo menos por enquanto, não permite concluir pela titularidade de direito dos animais. Não obstante, isto não impede que defendamos que os animais sejam titulares de uma tutela jurídica reforçada, porém, esta resultará não de direitos próprios dos animais, mas de “deveres do homem para com os animais”.

Para nós, a questão central, não está em saber se os animais são titulares de direitos, ou de uma tutela jurídica reforçada. O problema do estatuto jurídico não nos parece que seja nuclear. O problema que se coloca em Portugal é outro: o do incumprimento da lei. Todos os dias nos cruzamos com camiões transportando animais em condições degradantes, malgrado a legislação existente. Já pensaram no número de lojas que vendem espécies cuja comercialização é proibida (papagaios, por exemplo)?

P.S: Em breve, desenvolverei com o meu grupo de debate ao nível da Sub-turma, a questão com mais profundidade.

Carlos Barbosa disse...

"Avalia-se o grau de civilidade
de um povo pela forma
como trata os seus animais”
Humboldt



O (verdadeiro) estatuto jurídico dos animais


Ao longo dos anos, mas sobretudo após a Segunda Guerra Mundial, período em que se multiplicaram as associações de defesa dos animais e se assistiu à publicação dos mais diversificados diplomas, tem-se posto com acuidade o problema de saber se os animais (não humanos) têm direitos ou se antes têm uma mera tutela jurídica subordinada ao Homem.

No direito comparado e na história do direito, a “situação” jurídica dos animais remonta, pelo menos, ao Império Romano. Aí os animais eram vistos como coisas (res). Mesmo as religiões, embora protegendo os animais, colocavam-nos ao serviço do Homem.
E assim se manteve até aos séculos XVIII/XIX. Daí para cá multiplicaram-se as leis de protecção do animal, quanto às espécies em causa, ao tipo de tratamento ao animal e às sanções, inclusive penais, contra a violação dessas leis. Como culminar da evolução, refere-se a reforma do BGB de 1990 que passou a considerar o animal não como coisa mas como um terceiro género – coisa semovente (que se move independentemente do Homem).

A nível internacional e comunitário destacam-se:
i) A Declaração Universal dos Direitos do Animal – da UNESCO, de 15 de Outubro de 1978;
ii) A Convenção Europeia sobre Protecção dos Animais nos Locais de Criação, de 10 de Março de 1976, ratificado pelo Decreto n.º 1/93 de 4 de Janeiro;
iii) A Convenção Europeia para a Protecção dos Animais de Companhia, de 13 de Novembro de 1987, ratificada pelo Decreto 13/93, 13 de Abril, e regulamentada pelo Decreto-lei n.º 276/2001, de 17 Outubro (alterado pelo Decreto-lei n.º 315/2003, de 17 de Dezembro);
iv) A directiva n.º 93/11/CE, do Conselho, de 22 de Dezembro, transposta pelo Decreto-lei n.º 28/96, de 2 de Abril – Protecção dos Animais no Abate e na Occisão;
v) A directiva n.º 86/609/CE, do Conselho, de 24 de Novembro, transposta pelo Decreto-lei n.º 129/92, de 18 de Setembro – Protecção de Animais utilizados para fins experimentais e outros fins científicos.
Além disso, anexo ao Tratado de Amesterdão, foi assinado o Protocolo relativo à protecção e bem-estar dos animais que vincula normativamente a Comunidade e os Estados-membros a adoptarem medidas económicas e de investigação que tenham em conta o bem-estar dos animais. Mas essa protecção seria subordinada às tradições religiosas e culturais dos Estados-membros o que a relativizaria.
Já o Tratado que estabelece uma Constituição para a Europa omite qualquer referência ao bem-estar dos animais.

Em Portugal, realçam-se:
i) O Código Penal de 1886, que nos arts. 323º a 325º punia o envenenamento, o abuso do animal de carga e os maus-tratos ao animal de consumo, a morte e as ofensas à integridade física dos animais;
ii) Em 1919 surge a primeira lei de protecção dos animais, pelos Decretos n.º 5650 e 5864, de 10 de Maio, referindo-se aos trabalhos excessivos impostos aos animais, impondo-se limites aos abusos, punindo-os com multa.

No quadro actual do direito nacional cumpre destacar:
i) Os artigos 212/3º, 493º, 1121º a 1128º, 1318º a 1323º e 1462º do Código Civil;
ii) O art. 281º do Código Penal;
iii) A lei 90/88, de 13 de Agosto – Protecção do lobo ibérico;
iv) A Lei 92/95, 12 Setembro – Protecção dos animais;
v) O Decreto-lei 312/2003, de 17 de Dezembro – Regime da detenção de animais perigosos.

Na dogmática jurídica a favor dos direitos dos animais têm-se apresentado vários argumentos no sentido de justificar a titularidade de direitos próprios, independentemente do Homem, e que vinculam este meramente a reconhecê-los e, consequentemente, a respeitá-los. Assim, os animais têm direito a que lhes seja reconhecido:
i) Um sistema biológico semelhante ao Homem, o que lhes conferirá necessidades biológicas, individuais e sociais no seu meio – uma espécie de “unicidade animal” análoga ao Homem;
ii) Um dever de respeito que vincula terceiros;
iii) Um direito de efectivação da sua condição, contra a opressão, como ocorreu historicamente com a mulher, com a criança ou com o escravo – há um novo factor de discriminação, o específismo, injustificado, pois o Homem também é um animal pelo que não deve explorar ou oprimir os outros animais.

Isto levaria quer a uma melhoria das condições de vida na Terra, quer ao melhoramento do ambiente, pois respeitar-se-ia os habitats naturais.

Numa última advertência, cumpriria distinguir, como destinatários destes direitos, os animais que possuem ou não um sistema nervoso central (independentemente das certezas científicas da fronteira entre algumas espécies de animais), sendo que só os que o têm se enquadrariam no conceito de animal com direitos próprios: ou seja, por exemplo, um elefante, um peixe ou um porco teriam direitos próprios, enquanto que as plantas já não os teriam.

Esta construção, salvo melhor opinião, padece de um vício inicial: o Direito existe pelas pessoas, para as pessoas e em função das pessoas.

O que fundamenta os direitos do Homem é a sua unicidade individual. Contudo, esse Homem está inserido numa sociedade, logo em conflito potencial com outros Homens. É pela possibilidade deste conflito que surge o Direito: como forma de revelação dos direitos individuais, prevenindo ou dirimindo conflitos. Os direitos fundamentais do Homem, os direitos subjectivos, são anteriores à sociedade e ao poder, não são conferidos por estes, sob pena de, em contradição, não se fundar o Direito no Homem mas no colectivo, correndo o risco de nele se diluir o próprio homem: os seus direitos existem mesmo que não sejam reconhecidos, ou muito menos conferidos, porque se fundam na antropocêntria do direito, que existe para a regular. Mas isso não impede, por outro lado, que sejam reconhecidos direitos à colectividade: estes somente não poderão pôr em causa os direitos individuais.

E aqui se enquadram os “direitos” dos animais. Eles merecem uma tutela do direito enquanto relacionados com o Homem, mas em função deste. Se assim não fosse, ter-se-ia de configurar os animais como sujeitos de direito ao lado do Homem contra a própria razão de ser do direito.
Assim, não se pode negar que os animais tenham tutela jurídica. Mas têm-na em função do Homem e não em função deles próprios. Assim é, porque sujeitos de direito só podem ser as pessoas, ainda que representadas, sendo nelas que os efeitos jurídicos se repercutem.
Repare-se: mesmo nas declarações e leis de protecção dos animais, a sua tutela jurídica é feita em função e para o homem e não em função e para os próprios animais. Se os animais fossem titulares de direitos próprios, sujeitos de direitos, como e onde e com que efeitos nos próprios eles eram defendidos e garantidos?
É pelo facto de os animais não serem sujeitos de direito que os argumentos a favor do reconhecimento de direitos próprios dos animais não procedem:
i) Quanto ao primeiro e segundo argumentos, o enquadramento jurídico da tutela dos animais, bem como o respeito ou cumprimento dessa tutela, faz-se em função do homem e de direitos próprios conferidos ao homem ou à humanidade;
ii) Quanto ao segundo argumento, os exemplos dados e a discriminação dizem respeito à espécie humana e não à animal (não humana).

É o facto do direito existir pelo homem e em sua função que este é sujeito de direitos, e que por essa mesma razão não o são os animais.
Isto também demonstra que não se está perante uma tutela reflexa ou indirecta dos animais: juridicamente só o Homem, enquanto sujeito de direito, pode ser titular dessa situação jurídica.

A partir daqui importa determinar onde se funda essa tutela jurídica e de que modo.

A tutela jurídica deles funda-se no facto de terem um sistema biológico e um habitat análogo aos humanos. Essa situação cria neles uma especificidade que não pode ser confundida com o resto das “coisas”. Não se pode também ignorar a relevância sócio-cultural, económica e ambiental dos animais para o homem. Mas isso sem cair em argumentos puramente éticos ou morais: mesmo que influenciem o direito, este é mais do que aqueles e regulam situações jurídicas independentemente deles, ou até, pondo-os em causa.

Mas como eles não podem ser sujeitos de direito têm que ser submetidos ao fim do Homem. Em termos da titularidade de situações jurídicas, pelo Homem, onde se pode enquadrar a defesa dos animais?
Comece-se pela distinção da Declaração Universal dos Direitos do Animal (DUDA): nos arts. 4º e 5º fala-se em animal selvagem ou em contacto com o homem, que deve ser livre; no art. 6º fala-se em animal de companhia, numa relação de domínio, mas garantindo a sua vida; no art. 8º prevê-se a experimentação científica no animal mas sem sofrimento; no art. 9º refere-se animal criado para a alimentação humana. Os restantes artigos tutelam a vida, a integridade física e o respeito do animal, proíbem a exploração e a morte desnecessária, além de incumbirem as autoridades públicas na sua defesa. Bem podemos retirar daqui uma enorme ilação: a D.U.D.A. aceita que os animais sejam objectos de direito. Logo, como pode algo ser titular e objecto do direito ao mesmo tempo? Na equiparação dos animais ao Homem, este apenas é titular e nunca objecto de direitos.

Assim, esta tutela dos animais enquadra-se nos direitos ao ambiente, à investigação científica, à propriedade e à livre iniciativa económica do Homem.
Contudo, é defensável o seu enquadramento geral no direito ao ambiente. Tenha-se como exemplo a Constituição brasileira de 1988:
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
§ 1º - Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público: (…)
VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade.

Uma das formas do poder público brasileiro garantir um meio ambiente ecologicamente equilibrado essencial à sadia qualidade de vida é através da protecção da fauna e a da flora, maxime proibindo a extinção de espécies ou a crueldade sobre os animais.

O direito ao ambiente comporta uma dimensão subjectiva e objectiva, positiva e negativa: tanto o Homem como a sociedade têm tanto o direito ao ambiente como forma de garantir a sua qualidade de vida, como dever de o proteger; como o Estado tem o dever de o proteger e garantir ao homem e à sociedade uma qualidade de vida saudável através do ambiente. É nesta tripla dimensão do direito ao ambiente (quanto ao direito e correspondentes adstrições activas ou omissivas, sobre um objecto – o ambiente – referentes a três entes: o homem, a sociedade e o Estado) que se tutela fundamentalmente o animal. No ambiente, o animal pode ser enquadrado como um recurso natural (art. 66/2º d) CRP de 1976), utilizado e protegido pelo Homem, pela a sociedade e pelo Estado: pense-se, por exemplo, em termos de alimentação ou de exploração turística dos habitats naturais, ou na produção de animais como consumo alimentar. (o animal é visto como componente do ambiente)
Por outras palavras, é nesta dupla dimensão subjectiva e objectiva do direito ao ambiente, onde se insere a tutela do animal, onde este é objecto e não sujeito de direito, que se permite o aproveitamento individual ou colectivo do bem (o animal) e a sua própria defesa pelos próprios e pelo Estado.

Esta realidade é fundamental para enquadrar os termos em que o Homem utiliza o meio animal. Por um lado, a protecção do animal é um interesse fundamental do Estado e da sociedade – arts. 9º e) e 66/1º CRP. Por outro, o Homem pode dele servir-se como efectivação do direito ao ambiente, ou como direito de propriedade, de iniciativa económica ou de investigação científica.
Esta situação releva porque se está entre direitos, liberdades e garantias, pelo menos análogos no caso dos três primeiros, o que justifica uma restrição a eles. É a aplicação do art. 18º CRP que está em causa.

Tenha-se como exemplo o direito de propriedade sobre animais de companhia, que a Declaração Universal dos Direitos do Animal, a Convenção Europeia para a Protecção dos Animais de Companhia e a Lei de Protecção dos Animais reconhecem como possível, como uma das formas de regular a dependência dos animais em função do Homem.
Enquadrada na propriedade está uma função social, e não só económica que relevava mais no século passado, como forma de equilibrar o seu exercício com o exercício de outros direitos ou interesses fundamentais.
Ora, é com base na proporcionalidade que se equilibra o exercício desses direitos, adstrindo o proprietário de, por exemplo, cuidar da saúde e bem-estar do animal (como forma de adquirir o animal ou de exercer o seu direito de propriedade sobre ele), não causar dor, pôr em risco a integridade física, matar ou abandonar o animal, de explorar comercialmente o animal sem pôr em risco a sua saúde ou integridade, etc. Isso justifica que o proprietário não possa destruir livremente o animal ou que seja obrigado a vaciná-lo, por exemplo: são limitações (activas ou omissivas) que resultam de um critério funcional de tutela o ambiente e que impõem deveres ao proprietário no exercício do seu direito subjectivo – estas também integram o próprio direito subjectivo.
É a existência de outros direitos ou interesses fundamentais, especialmente os interesses da colectividade e do Estado na protecção do animal, enquadrados na dimensão objectiva do direito ao ambiente, que, através da proporcionalidade, justificam a função social da propriedade e, consequentemente, permitem uma limitação geral que faz parte do próprio direito subjectivo de propriedade.
Quando o proprietário viola esta dimensão negativa/limitativa da propriedade ficam legitimadas as reacções jurídicas específicas: através de sanções, de substituição pela Administração ou de extinção do direito a favor da Administração pode-se tutelar reactivamente o interesse colectivo ao ambiente na protecção do animal.
Na doutrina civil, estas restrições têm sido enquadradas no princípio da proibição do abuso de direito – art. 334º CC.
E este raciocínio vale também para os casos de livre iniciativa económica ou para o direito do consumidor, quando têm os animais por objecto das situações jurídicas em causa.

Também nos princípios fundamentais em matéria de ambiente – sobretudo a proporcionalidade e a adequação dos recursos naturais (enquanto eficácia e razoabilidade na sua utilização) – a protecção jurídica dos animais tem enquadramento.

Por último, como se vê, esta forma de interpretar a questão não legitima a que se permita o abate de animais só porque estes mataram uma pessoa (em 864, a Dieta de Worms decretou que um enxame de abelhas cujas picadas haviam causado a morte de um homem devia ser exterminado; em 1474, em Basileia, um galo foi condenado à morte e queimado amarrado a um poste por ter sido considerado culpado de haver posto um ovo, desafiando as leis da natureza; em 1974, na Líbia, um cão foi julgado pelo crime de ter mordido um homem, foi condenado a um mês de prisão, a pão e água, e libertado depois de cumprida a sentença; em 1990(!), um cão de raça «aikita» foi condenado à morte por um tribunal de Nova Jersey, nos EUA(!), por ter atacado e quase morto um neto dos seus dono, acabando por ser indultado pela Governadora do Estado, com a condição de o animal ser expulso de Nova Jersey e proibido de regressar, depois de uma vasta campanha pelo indulto, em que se envolveram Brigitte Bardot e o próprio governo nipónico) as touradas, a livre experimentação científica em animais, as lutas de animais, a existência de canis para o extermínio de animais sem ponderar alternativas, etc. É o próprio direito ao ambiente que o proíbe.


Para terminar queremos salientar apenas o seguinte: esta posição é a mais adequada, a mais rigorosa e a mais consentânea com quadro jurídico actual. É a que melhor permite resolver os problemas que se possam colocar e, por fim mas não menos importante, e esta é uma das suas principais virtudes, é uma posição que tutela igualmente de forma exigente e apropriada a protecção dos animais.


Andreia Rodrigues
Carlos Barbosa
Gonçalo Ildefonso
José Pedro Baltazar

ana isabel silva disse...

O consenso sócio-cultural é alargado no que concerne à protecção dos direitos dos animais. A construção deste assentimento geral da sociedade surge da elaboração de diversas reflexões no domínio jurídico-filosofico, nomeadamente, a perspectiva kantiana enunciava que o respeito pela vida é uma decorrência ética do respeito pelo seu semelhante. Não obstante, a génese e evolução dos direitos dos animais tiveram um percurso sinuoso a nível histórico e comparado. Num passado recente, a tendência doutrinária tem sido a efectiva protecção do animal considerando-o como uma coisa sui generis. Esta qualificação tem repercussões no regime jurídico aplicável, elevando o estatuto do animal a uma tutela jurídica que espelha a sua dignidade axiológico-normativa.
A protecção dos animais constitui, hoje, um valor estruturante das sociedades a nível interno e internacional. O nosso regime constitucional, segundo o Professor Bacelar Gouveia apresenta uma orientação “ a favor da Natureza”, que não pode ser declinada por agressões do Homem aos animais. A Lei de Protecção ao Animal (Lei 92/95 de 12 de Setembro) condena as práticas violentas que provocam, sem necessidade, sofrimento ou morte aos animais. O direito comunitário manifesta-se, similarmente, no sentido da protecção do animal (refira-se, nomeadamente, o Protocolo relativo à protecção e ao bem-estar do animais e o Tratado Constitucional). A propensão actual do direito internacional desvela-se, identicamente, na protecção dos animais. Na realidade, a Declaração Universal dos Direitos do Animal, aprovada em 15 de Outubro de 1978 pela Liga Internacional de Direitos do Animal e, posteriormente, adoptada pela ONU e UNESCO, é uma fonte de raiz costumeira que pressagia um novo paradigma da protecção do animal. Saliente-se que, o seu artigo 11º considera a morte de um animal, sem necessidade, como um biocídio, ou seja, um crime contra a vida que não poderia ser conceptualizado se o animal continuasse a ser considerado uma coisa. Mas, se esta realidade se procura implementar por via doutrinária, através de uma interpretação pro animal, a nível legislativo a condição jurídica é inócua a estas transmutações de categoria. A vexata questio do estatuto do animal na lei civil, transborda, por um lado, na busca de um estatuto digno de um ser vivo e, por outro, numa interpretação declarativa da lei. Na verdade, alguns autores procuram realizar uma exegese da lei civil de forma a atribuir um estatuto de res sui generis ao animal, designadamente, o Professor Menezes Cordeiro através da cláusula dos bons costumes. A outra tese rege-se por uma mera interpretação literal que se conjuga com a consagração do estatuto de coisa móvel ao animal (202º, nº1, 205º,nº1 e 212º,nº3, do Código Civil). Esta última doutrina é, particularmente, referida no âmago da jurisprudência portuguesa O conservadorismo e a tradição cultural portuguesa com uma conexão estreita com actos venatórios, impede uma absorção plena, do estado de res sui generis atribuído ao animal. Segundo o Professor Gomes Canotilho, “ enquanto não se consagrarem, em termos jurídicos, direitos dos animais (…) ao lado dos direitos dos homens, os ecologistas continuam a olhar para o direito do ambiente como a expressão mais refinada da razão cínica”. Consequentemente, a ideia do animal ser considerado uma coisa, submetida ao Homem como sua propriedade, deve ser liminarmente afastada. Este deve existir, independentemente, dos direitos exclusivos do Homem, afastando o utilitarismo humano que se reconduz a uma visão antropocêntrica. O propósito de uma nova configuração destes seres vivos, a nível normativo, equaciona-se nos deveres do Homem para com os animais. A via mais adequada a uma tutela do animal é, então, a que deriva do ecocentrismo moderado dignificando o animal, como um valor em si. As actividades que envolvem a morte ou o sofrimento dos animais devem ser reinterpretadas conforme o princípio da proporcionalidade, em conjugação com as suas subvertentes: adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido restrito. A ponderação de valores ou bens jurídicos, casuisticamente, conduz-nos a uma ampla protecção do animal e a uma restrição de práticas que envolvem o sofrimento do animal sem necessidade.
Em suma, podemos aplaudir a gradual modificação da consideração jurídica do animal e da sua tutela legislativa, embora, o tímido percurso que se iniciou na defesa jurídica dos animais deva continuar a ser, progressivamente, aperfeiçoado, segundo um ecocentrismo moderado. A hora dos direitos dos animais chegou e carece de um debate legislativo aprofundado e de uma reflexão normativa que se reconduza à atribuição da tutela que o apelo societário exige para os animais.

Bernardo disse...

Direitos dos animais?

I. O que não está em causa.
Antes de mais, é importante afirmar que não está aqui em causa se os animais devem ou não ser protegidos: ninguém discorda, sob pena de parecer mais animal que humano, que os animais devem receber um tratamento digno e razoável.

II. Breve noção de Direito.
Direito (Oliveira Ascensão): direito é expressão da ordem jurídica da sociedade, dos valores da sociedade.
- Direito objectivo: ideia de ordenação de vida social – Direito das Sucessões. Ninguém tem o direito das Sucessões em relação ao seu pai, que morreu. O Direito das Sucessões engloba e enquadra a matéria das sucessões;
-temos a eventual possível referência a “Direito dos Animais”, como vontade de uma ordem normativa em regular a protecção dada aos animais.
-Direito subjectivo: referência a sujeito que goza de certa posição favorável. Assim, A tem o direito de suceder a B, que morreu;
-posição mais difícil de sustentar é afirmar que os animais são titulares de uma posição subjectiva favorável, defensável contra qualquer entidade.

III. Direito, Moral e Dever.
É importante a distinção entre Moral e Direito: o objectivo do direito não é juridificar a moral de uma sociedade, abrangendo assim, esta segunda ordem. Direito e Moral têm uma relação apenas concêntrica: a ordem jurídica conterá o mínimo moral necessário acolhido por determinada sociedade.
Embora sendo errado um filho não cumprimentar sistematicamente o seu pai ou a sua mãe, estes não terão o direito de serem cumprimentados pelo filho, embora haja um dever moral do filho de respeitar os seus pais, cumprimentando-os.
O Direito, construído em torno do Homem, procurará regular a esfera inter-humana, e a relação Homem-ambiente que o rodeia, de acordo com os critérios valorativos de cada época e região.
No seguimento da avaliação dos objectivos de certeza e segurança jurídica, o Estado atribui determinados direitos aos seus cidadãos, direitos esses que deverão ser respeitados pelas outras pessoas, que, então, terão o dever de não lesar a esfera jurídica protegida dos demais. No entanto, nem todos os deveres terão como contraposto um direito de outrem. Assim, um cidadão, eventualmente tem o dever contribuir para uma atmosfera limpa e arejada, plantando árvores, ou tem o dever de contribuir para a elevação moral de uma sociedade, procurando convencer as pessoas à sua volta para acatarem os valores que considera correctos, mas ninguém terá o direito de exigir desse cidadão esse tipo de conduta.
O problema está em saber o que está por detrás da eventual atribuição de direitos aos animais: terão estes, um direito subjectivo de não serem maltratados por nós, ou existe apenas um forte dever de não violentar injustificadamente os animais?
Sem dúvida que faz parte do acervo Moral de uma sociedade dita moderna não fazer mal a animais, mas seria um enorme passo atribuir-lhes direitos.
Naturalmente que ninguém pode bombardear as pirâmides de Gize. Haverão, com certeza, graves consequências para quem o faça, mas estas não têm o direito de não serem bombardeadas.



IV. Direitos dos animais VS Dignidade Humana.
Está em causa o conceito de dignidade.
Será que podemos entender a dignidade como um conceito unitário, como um valor em si, fazendo assim uma distinção cega entre aquilo que merece ou não dignidade? Ou será possível considerar que, no mundo que nos rodeia, algumas coisas têm ou merecem maior dignidade ou consideração que outras?
Julgo que a resposta é unânime: uma coisa, qualquer que seja, não deixa de ser digna ou defensável por o seu quantum de dignidade ser inferior ao objecto que está ao seu lado. Aqui começam problemas com crescente grau de complexidade: o que terá maior dignidade, o que carecerá de maior defesa, uma bactéria ou uma lesma? Uma lesma ou uma vaca leiteira? Uma vaca leiteira ou um cão? Um cão um chimpanzé? Um chimpanzé ou o Homem?
O que se pretende afirmar é que não é qualquer realidade que tem direitos, embora possam ser muitas, aquelas sobre as quais se pode impor um dever. Será categórico que o Homem tem direitos, o mesmo já não acontecendo com uma lesma. Mas nem por isso se excluem os deverem que impendem sobre os homens, no que toca ao relacionamento humano e condigno face à lesma. Assim, mesmo que uma lesma não tenha direitos, não é menos verdade que há, sobre o Homem, o dever de não fazer mal a esse horrível animal.
Difícil, pois, será encontrar o critério que se usará para a atribuição ou não de direitos. Qual será?
Muitas poderão ser a respostas mas, observando a realidade à nossa volta, ajudará a compreender a questão se, mesmo intuitivamente, a hierarquizarmos de alguma maneira, tomando como ponto de fuga a dignidade do objecto observado.
Não custará compreender que, no centro da nossa experiência valorativa encontraremos o Homem, Género Humano. Antes de qualquer outra coisa, o Homem é o centro da sociedade reconhecedora de direitos. Antes de qualquer outra coisa, o Homem é merecedor de respeito, dignidade, defesa, protecção. Não há maior valor, não há outro centro gravitacional ao redor do qual o contrato social se foque. Digo isto empiricamente, e di-lo-ão todos, sem excepção. A política e as suas orientações têm o Homem como destino. Qualquer ramo do direito tem o Homem como destino. O Direito Penal tem como preocupação a devolução do Homem ao contacto social, e a prevenção geral. O Direito comercial tem como preocupação a satisfação das necessidades materiais do Homem. Mesmo o Direito do Ambiente tem o Homem como destino: a discussão antropocentrismo/ecocentrismo terá sempre o mesmo resultado. A necessidade de se defender a natureza, radica na necessidade do Homem em, primeiro, sobreviver à destruição que ele próprio possa criar, e, em segundo lugar, no seu desejo de habitar um espaço onde seja possível uma qualidade de vida no sentido lato da expressão: mundo limpo, agradável e variado, habitado pelas criaturas que consigam sobreviver às necessidades (habitacionais, industriais, comerciais, etc..) do Homem.
O Homem, livre de escolher o seu destino, livre das opções quanto ao seu futuro, livre de construir a sociedade à medida das suas necessidades, enfim, o Homem Moral é o primeiro (único?) possuidor e destinatário de direitos e deveres.
Tudo o resto virá num outro plano. Não se quer com esta última afirmação arredar de dignidade do que venha a seguir, mas apenas colocar num outro nível de dignidade, de preocupação, de necessidade de defesa. Os animais, merecedores de defesa e objectos do nosso dever de protecção e tratamento condigno, não têm o mesmo valor que o Género Humano. Hierarquizar os animais um patamar abaixo, não implica privá-los de qualquer protecção, deixá-los à mercê da imaginação que o homem impiedoso possa ter para eles. A diferente dignidade resulta, assim, da sua limitada escolha, da sua limitada autonomia, da sua limitada liberdade, enfim, de não serem seres Morais.
(Não se precisará de olhar para a realidade das plantas e rochas para se perceber que a discussão apenas dirá respeito aos homens e animais, por isso abstenho-me de as comentar.)
Assim, podemos perceber que o critério que deverá envolver a atribuição de direitos subjectivos a qualquer realidade será o facto de se ser ou não um Agente Moral, dotado de liberdade de escolha para respeitar ou violar a liberdade do que está ao seu lado.

V. O sofrimento dos animais e as pirâmides de Gize.
Não interessando tanto o tamanho dos animais que possam estar em causa, ou saber se são mamíferos ou seres unicelulares, importa fazer a pergunta difícil: será que podemos matar as raposas almiscaradas dos pólos, em vias de extinção, para satisfazer os caprichos de rara beleza das senhoras ricas que se querem pavonear nas ruas de Beverlly Hills? Não merecem, estas raposas, direitos de defesa (e estas senhoras deveres de se alistarem na prisão??!!)? A resposta terá que ser a esperada: não! O que está, ou deveria estar, em questão, é o maior ou menor dever que impende sobre essas senhoras de não alimentarem o comércio dessas peles, acarretando com isso o dever que impende sobre os selváticos exploradores e curtidores dessas peles, indo ao ponto de culpar os governos que não obriguem os seus cidadãos a respeitar os animais, merecedores de dignidade, respeito, defesa por parte do Homem. Assim, é com base nesta noção de dever humano de defender o que também tem dignidade que podemos ler a Declaração Universal dos Direitos do Animais:
-Todos os animas têm os mesmo direito à vida – ponto 1 da DUDA;
-Todos os animais têm direito ao respeito e à protecção do Homem - ponto 2 da DUDA;
-Todos o animal têm o direito de serem respeitado – art. 2.º DUDA;
-Nenhum animal será submetido nem a maus tratos, nem a actos cruéis – art. 3.º DUDA;
Do mesmo modo, devemos ler a lei da Protecção dos Animais:
-São proibidas todas as violências injustificadas contra animais (…) – art.1.º LPA.
- (…) qualquer pessoa física ou colectiva que explore o comércio de animais, que guarde animais mediante uma remuneração, que os crie para fins comerciais, que os alugue, que se sirva de animais para fins de transporte, que os exponha ou que os exiba com um fim comercial só poderá fazê-lo mediante autorização municipal(…) – art. 2.º LPA.
O mesmo raciocínio deverá ser feito para as justificar a proibição de pintar, com grafites os blocos de pedra das pirâmides de Gize.

VI. Conclusão
A não atribuição de direitos subjectivos aos animais, invocáveis perante quem os lese, não vai retirar a protecção que estes merecem por causa da sua dignidade.
Esta protecção resultará desta mesma dignidade, que, não estando no mesmo patamar hierárquico que a do Homem, não será por isso perfeitamente esquecida. Pelo contrário, impende sobre cada homem cuidar aquilo que, ao seu lado, merece protecção, e, fazendo um juízo de proporcionalidade, eventualmente sacrificar outros bens para a sua defesa. Por outro lado, deverá o Estado assegurar o respeito pelos animais, quer, positivamente, criando-lhes condições proporcionais à sua dignidade, quer negativamente, punindo razoavelmente aqueles que atentem contra o resto do Reino do qual também nós fazemos parte: o Reino Animal.
bernardo castro

Silvina Pestana disse...

"Eu sou pelos Animais…

Num planeta que é por nós partilhado com os outros animais, as nossas acções têm um enorme impacto na vida destes seres. Desde a forma como tratamos os animais de companhia, passando pelos produtos que compramos no supermercado, até à nossa alimentação ou à forma como influenciamos aqueles que nos rodeiam, não faltam áreas em que, com um pequeno esforço da nossa parte, podemos poupar muito sofrimento e a muitos animais. À semelhança do respeito que as pessoas nos merecem, independentemente de gostarmos delas ou não, também os animais são merecedores de respeito. Respeitar os animais significa não os sujeitar a sofrimento desnecessário.Significa deixá-los viver a sua vida, de acordo com as suas necessidades e seus instintos naturais.

…porque o sofrimento mora ao lado!"

Em cada cidade, em cada aldeia e a cada segundo que passa existem animais que sofrem, muitas vezes em silêncio. E, se é verdade que pouco podemos fazer em relação às atrocidades que são cometidas em países distantes, podemos e devemos fazer alguma coisa para impedir ou, pelo menos, minimizar as que acontecem no nosso país. Desde o cão que vive acorrentado a um bidão até ao suíno que é vendido no talho da esquina tendo passado a vida inteira fechado na pecuária sem nunca ter visto a luz do sol ou ter podido brincar na lama, não faltam exemplos de como os seres humanos falharam e abusaram da sua posição de supremacia face aos restantes animais.

É tempo de fazer passar à história a "lei do mais forte”…é tempo de começar a pautar as nossas condutas pelos valores da ética e da justiça!

O movimento universal de protecção dos animais corresponde a uma exigência ética e cultural universal, consagrada na Declaração Universal dos Direitos do Animal (1978), em numerosas convenções internacionais e em centenas de leis (incluindo leis constitucionais) dos países mais desenvolvidos do mundo.
Nas suas diversas formulações, todos esses diplomas seguem um denominador comum: o da preocupação com o bem-estar dos animais envolvendo, antes de mais, a condenação de todos os actos de crueldade. Mas, para além dessa preocupação ao nível jurídico, é cada vez maior o número de correntes zoófilas a defender o reconhecimento aos animais de autênticos direitos subjectivos!
O debate sobre esses temas, iniciado aquando do arranque da era industrial, na segunda metade do século XIX, intensificou-se a partir da criação, após a última grande guerra, das grandes instituições europeias e mundiais (Conselho da Europa, União Europeia e UNESCO) e, actualmente, trava-se em várias universidades onde se ministram cursos sobre os direitos dos animais (é o caso das Universidades de Harvard, Duke e Georgetown, nos Estados Unidos, e Cambridge, na Inglaterra). Numerosos e qualificados autores têm intervindo nesse debate, iniciado com as obras pioneiras dos já clássicos Tom Reagan e Peter Singer.
Em Portugal, a discussão tem decorrido, sobretudo, na Faculdade de Direito de Lisboa graças, designadamente, aos contributos dos Professores António Menezes Cordeiro e Fernando Araújo e ainda nas Faculdades de Direito da Universidade Nova de Lisboa e na Universidade de Coimbra.
Não se trata, portanto, de um assunto esotérico cultivado por uns tantos iluminados vegetarianos mas sim – tal como os direitos do homem – de uma componente muito importante da cultura ocidental de tal modo que, a obrigação para os Estados da União Europeia, de garantir o bem-estar animal está hoje formalmente consagrada em protocolo vinculativo anexo ao Tratado de Amesterdão.
Mesmo para os autores que não aceitam a atribuição de verdadeiros direitos subjectivos aos animais, certo é que todos convergem num ponto central desta discussão: o de que, são absolutamente contrários à ética, os actos de crueldade gratuita para com os animais.
Esta é, sem dúvida, uma conclusão pacífica não só para os zoófilos mas também, e de forma geral, para o Homem comum e até para os próprios aficionados. Com efeito, se se perguntar a qualquer pessoa (incluindo aficionados de touros, organizadores de combates de cães e de tiro aos pombos) se concordam com a tortura dos animais, o mais certo é responderem pela negativa. E, no entanto, contraditoriamente ao que dizem, eles torturam ou organizam a tortura de touros, de cães e de pombos.

Não querendo entrar na questão, já há muito debatida, dos touros de morte, há uma passagem de um artigo publicado no jornal “Público” que considero particularmente curiosa: “sendo o touro um ser por natureza bravo, ele realiza o seu grande bem lutando, ele realiza a sua natureza de lutador na luta e ele realiza-se plenamente a ele próprio na corrida e pela corrida. O infeliz touro, que é levado à força de seu habitat e depois perfurado com farpas ou estoqueado e que, quando não é morto, acaba a tourada com feridas profundas e pastas de sangue a escorrer pelo lombo, esse sacrificado animal seria afinal uma espécie de bombista suicida, que se realizaria plenamente pelo seu próprio sofrimento e morte em combate. Estamos aqui, uma vez mais, no reino do absurdo. Como é óbvio, ao contrário do bombista suicida que procura alegremente a morte e, desta forma,a entrada no paraíso, o pobre touro, se pudesse falar, diria com certeza que o seu único desejo era nunca sair da lezíria e continuar a pastar pacificamente.
As touradas ofendem assim, o princípio fundamental da ética que impende sobre qualquer pessoa que se preocupe em pautar os seus actos pelos ditames da moral e da ética."
As touradas foram proibidas em Portugal por Decreto de 1836, da iniciativa do então Primeiro-ministro Passos Manuel. A razão dessa proibição assentava, conforme se lê no Decreto, no facto de, já nessa altura "serem consideradas um divertimento bárbaro e impróprio das nações civilizadas, que serve unicamente para habituar os homens ao crime e à ferocidade."

Todos os animais nascem iguais diante da vida e têm o mesmo direito à existência. Todos mesmo…nós também…e, por mais que isso a nós nos custe, até as aranhas e as minhocas!

Ao Homem, enquanto espécie também ela animal, não pode atribuir-se o direito de torturar os outros animais, cometendo sobre eles actos de extrema crueldade. Ele tem o dever de colocar a sua consciência e inteligência ao serviço dos outros animais. Afinal não é a consciência e a inteligência que nos torna diferentes desses outros animais?
Por isso, tal como sucede com os direitos dos humanos, os direitos dos animais não-humanos também merecem tutela jurídica…mas, refira-se, uma tutela que não deverá bastar-se pela mera protecção dos animais por via do direito de propriedade de que o Homem é titular! Afinal, mais do que uma coisa móvel (tal como é defendido, ainda hoje, pela nossa ordem jurídica_ veja-se os artigos 202º/1, 205º/1, 212º/3, 1318º a 1323º e 1462º do Código Civil), um animal é matéria viva…não uma vida artificialmente criada pelo Homem, mas uma vida biológica que vê, ouve e sente!

A pergunta não é: “Podem eles pensar?” nem “Podem eles falar?”, mas antes "Podem eles sofrer?"
Jeremy Bentham

“Primeiro foi necessário civilizar o Homem em relação ao próprio Homem. Agora é necessário civilizar o Homem em relação à natureza e aos animais."
Victor Hugo

“A protecção dos animais faz parte da moral e da cultura dos povos civilizados.”
Victor Hugo

Rita Silveira disse...

O debate sobre os Direitos dos Animais já vem de longa data, desde os tempos de Pitágoras, Rousseau, etc. É inegável que os animais possuem direitos, o que se questiona em termos verdadeiramente jurídicos, é se estes possuem direitos subjectivos.
No entanto, é preciso esclarecer que a visão dos defensores dos direitos dos animais (pelo menos o dos moderados) assenta numa rejeição do conceito onde os animais são meros bens capitais ou propriedade dedicada ao benefício humano. Ou seja, não se trata de querer equiparar os seres humanos aos animais numa relação de igualdade (algo que todos consideramos impossível - não se pode dar direitos aos animais que não caibam na sua própria natureza), mas sim de admitir que, existem muitos aspectos em que os animais são idênticos a nós, nomeadamente, na capacidade de sofrimento. Todos os animais não humanos merecem viver de acordo com as suas próprias naturezas, livres de serem feridos, abusados e explorados pelas mãos humanas. Os animais têm o direito de serem livres da crueldade e da exploração humana, assim como os próprios humanos têm esse direito. O que os activistas dos Direitos dos Animais pretendem é tentar estender esse círculo humano de respeito e compaixão para além da nossa própria espécie, incluindo outros animais que também são capazes de sentir dor, fome, medo, sede, solidão e afinidade.
Tendo isto como ponto assente, cumpre responder à questão da necessidade de reconhecer direitos subjectivos aos animais. Porque não contentarmo- nos com as avulsas leis que conferem protecção aos animais?
De facto, e atendendo à realidade em que vivemos, podemos constatar que essas normas legais estão longe de cumprir o objectivo para o qual foram criadas. Porque não seguir o exemplo dos ordenamentos jurídicos Alemão e Suíço, na medida em que estes já reconheceram os direitos subjectivos dos animais. Nomeadamente, estes deixaram de ser considerados como coisas nos seus Códigos Civis e no caso alemão, a Constituição passou a consagrar o dever estadual de protecção e respeito pelo direito dos animais. Tal como em tantos outros assuntos da sociedade diversos entre si, estes países estiveram na vanguarda ao criar e prever legislação inovadora, porque não caberá a Portugal este papel fundamental numa questão tão importante como esta? O que causará tanto medo aos apoiantes do não no reconhecimento de direitos subjectivos aos animais? É que tal como mencionei anteriormente, estes direitos serão específicos e adaptados à condição de animais que são. Não é preciso preocuparem- se com o facto de um dia destes encontrarem à vossa frente um caniche na urna de voto!
Concordo que talvez o argumento mais fraco por parte dos apoiantes do sim será o traçar da divisória entre que animais poderão ter direitos subjectivos (como por exemplo os animais de companhia, etc) e aqueles que não (como por exemplo os insectos e as plantas) mas confio nos legisladores deste país para arranjarem critérios justos e científicos para tal tarefa. Porque não seguir outros exemplos europeus nesta matéria? E porque não, à semelhança do que aconteceu no nosso passado histórico, sendo Portugal dos primeiros países a abolir a escravaura (prática considerada completamente natural e enraizada na altura), ser pioneiro nestas questões? Isto só será algo utópico se o quisermos...
Além de já ter chegado a hora dos animais, também já chegou a hora de nós, seres humanos e racionais, deixarmos de olhar para o nosso umbigo e fazer a nossa sociedade avançar. E como poderá ela se desenvolver se dispensamos aos nossos animais um tratamento ainda tão desaquado e uma protecção ainda tão ineficaz?

Ana Sofia Rendeiro disse...

O ordenamento jurídico português consagra o animal como objecto, não como sujeito de direitos: os animais são coisas, que pela sua especificidade de ser vivo digno de respeito tem alguns regimes de protecção específicos, mas muito modestos.
Há ainda muito a evoluir no nosso ordenamento, ao nível do Direito Internacional e do Direito comparado europeu o panorama indica-nos no sentido de um respeito crescente pela dignidade dos animais, que inevitavelmente lhes atribui cada vez mais um estatuto que os assemelha a sujeitos de direitos (podemos ver alguns exemplos na Anotação do Dr. André Dias Pereira aos Acórdãos do Tribunal da Relação de Guimarães de 29.10.2003 e do STJ de 19.10.2004).
Enquanto o Homem não assumir uma consciência ética responsável que reconheça o animal como um ser vivo sensível, autónomo, e não como um instrumento dos nossos desígnios, o Direito terá de intervir com mais força e eficácia, conferindo aos animais uma tutela objectiva ampla e aos seus donos, quando for o caso, formas de o proteger.
Assim, o animal não pode ser tratado como uma simples coisa, será pelo menos uma coisa sui generis, que merece uma tutela especial que atende também à posição do dono do animal como protector de um ser vivo, que não pode, por exemplo, ser penhorado.
É preciso que as Associações de Protecção dos Animais sejam ouvidas com mais seriedade, que possam tomar parte activa em decisões que possam afectar os animais e isso se reflicta em soluções que respeitem a dignidade do animal.
Talvez não seja ainda a hora dos efectivos direitos dos animais, mas é o momento de os respeitar como seres com uma dignidade autónoma da nossa.

eduardo alves disse...

“Na véspera dos jogos costumava (Calígula) destacar soldados para impor silêncio na população, a fim de que o seu cavalo Incitato não fosse molestado, [….], inclusive deu-lhe uma casa com escravos e mobiliário, para receber com mais fausto as pessoas convidadas em seu nome; diz-se que até tinha pensado outorgar-lhe o consulado.”
Seutônio, Vidas dos doze Césares

Como é óbvio os animais não possuem direitos subjectivos, seria ridículo atribuir aos animais direitos que decorrem da natureza humana e da dignidade que lhe é inerente, Para além de estes não possuírem a personalidade jurídica para terem uma esfera de protecção subjectiva seria impraticável a defesa desses pretensos direitos; tomemos o exemplo de uma ofensa à integridade física, quem teria a legitimidade para agir, teríamos no absurdo uma acção em que uma parte seria o gato tareco ou o cão perussas. Faria lembrar aqueles testamentos, noutros ordenamentos jurídicos, tão famigerados, em que o de cuius deixa os seus bens ao seu cão, ou outro animal que tal. Os animais gozam, em certos casos, de uma tutela derivada, através da protecção do direito de propriedade dos seus proprietários. Esta tutela é porém insuficiente pois visa defender a integridade patrimonial que pode não ser compatível ou suficiente para uma tratamento condigno da vida animal, no âmbito desta tutela não se dá grande importância à prevenção da violação pois como se trata de património pode-se sempre reconstituir a situação através de uma indemnização; para além da particular situação da tutela dos animais selvagens, teriam de ser considerados res nulius cuja defesa caberia ao Estado. Não concordo assim com a posição de que qualquer tutela dos animais é apenas um subproduto da defesa de direitos subjectivos dos indivíduos, nem que seja do direito fundamental ao ambiente. Na defesa dos animais devemos considerar que as normas que restringem a nossa conduta através de um dever de omissão de condutas lesivas, ou impondo mesmo uma conduta activa para evitar o resultado, se tratam de uma tutela objectiva, à qual não corresponde, como no esquema tradicional de Savigny, um situação de vantagem na esfera do indivíduo, porque este não existe. Sendo o direito do ambiente um ramo novo da ciência jurídica não devemos ficar demasiado arreigados a concepções anteriores, que não têm em conta as especificidades da tutela ambiental. A liberdade individual é limitada por um valor comunitário essencial que não decorre do homem, sendo um valor autónomo da própria humanidade, não decorre desta autonomia qualquer juízo de superioridade dos valores ambientais; porém, como refere o professor Freitas do Amaral, o mundo não pode girar, digo eu que de forma absoluta, em volta dos interesses, aspirações ou necessidades do homem.

Anónimo disse...

Conferir direitos aos animais equivaleria a visão antropomórfica do rato Mickey . Estamos falar de uma realidade eminentemente humana, onde os valor em causa são estranhos a dimensão axiológica dada ao Direito. O Direito foi feito para o Homem, e está todo ele construído tendo em conta o seu fim último : o Homem. Por vezes para alcançar esse fim, há desvios , contemplam-se outras realidades não directamente relacionadas com o Homem, mas no fim da jornada encontraremos sempre o Homem como única realidade realmente relevante . Tal visão será acusada pelos seus detractores como desactualizada e profundamente conceptualista. Não creio. Se não vejamos:
Qual a razão para conceder direitos aos animais? Terão eles dignidade “animal”? Que dignidade seria essa? E já agora por que razão se há-de reconhecer aos animais unicelulares direitos e aos protozoários (que não pertencem ao reino Animalia) não? Qual é o critério para não conferir esse mesmos direitos às plantas ? Será a existência de um sistema nervoso? Mas tal critério não servirá, pois, nem todos os animais tê-lo-ão . Passar-se-ia a ponderar o tamanho, o número de células? Seria possível com base no art.º1da Lei nº92/95 ( que tutela os animais contra actos de violência gratuita) sancionar alguém por ter esmagado uma formiga ? E se em vez de uma formiga fosse um gato ( lindo e fofo)? Creio que a ordem de valor sociais, pelo menos neste estádio de desenvolvimento, implicaria uma resposta negativa a primeira pergunta e positiva a segunda.
Com isto quero mostrar, primeiro, que não existe um conceito operável que permite conceder a um ser vivo “direitos” e a outro não; que a tutela conferida aos animais só é passível de ser entendida como uma tutela conferida indirectamente à interesses humanos e não a qualquer realidade autonomizável como centro de imputação de interesses. Que os animais só têm “direitos” por estes estarem funcionalizados em relação aos direitos e interesses do Homem, havendo uma completa dependência aos fins por estes prosseguidos ( nem que puramente sentimentais). Sendo assim não podemos falar de direitos dos animais mas sim de direitos conferidos aos Homens ainda que de forma indirecta.

Anónimo disse...

Não vou debruçar-me sobre a análise da legislação dos outros países sobre a matéria, porquanto tal tema já foi sobejamente abordado pelos meus colegas.
O meu contributo insere-se mais numa perspectiva pessoal sobre o tema e baseada na minha sensibilidade de incondicional defensora dos direitos dos animais.
Eu não diria que está na hora dos direitos dos animais. Eu diria antes que já passa da hora. E quando falo em direitos, não me refiro aos direitos subjectivos inerentes à pessoa humana. Refiro-me sim a direitos que tocam a todos (humanos e animais) como o direito ao respeito, ao não sofrimento e ao ser tratado condignamente. Estes direitos foram até há bem pouco tempo conotados como direitos exclusivos do homem, quando na realidade não o são nem o podem ser.
Na DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS DOS ANIMAIS aprovada pela UNESCO em Bruxelas em 27 de Janeiro de 1978, foi notório o esforço na tentativa de tratar os animais como seres vivos e não como coisas semoventes. Um ser vivo é digno de respeito e tem o direito de não lhe serem aplicadas práticas cruéis e tortuosas. Também a Lei 92/95 de 12 de Setembro (alterada pela Lei 19/2002 de 21 de Julho) constitui um forte contributo do direito interno no sentido do reconhecimento e salvaguarda dos direitos dos animais ao proibir maus-tratos injustificados. Mas então se se legisla nesse sentido, porque é que a prática humana não o acompanha?
Porque é que mesmo se legislando contra o abuso dos animais, as pessoas continuam impunemente a maltratá-los, e pior, continuam a ver os maus-tratos como uma prática normal e não chocante e inclusivamente como espectáculo e arte?
É simples. Porque antes da elaboração da lei teria que ter havido uma mudança de mentalidade e essa, está ainda a anos-luz de acontecer. Para que o ser humano respeite os animais não bastam que existam leis que o obriguem a isso. Infelizmente, ninguém pode ser obrigado a respeitar ninguém. O respeito é um sentimento que vem do interior do ser humano e se ele existisse em relação aos animais não seria necessária qualquer legislação nesse sentido. É bom que legislativamente se dê um passo em frente no que concerne aos direitos dos animais, mas é necessário que essas mudanças legislativas sejam acompanhadas de uma mudanças das mentalidades através, nomeadamente, de campanhas de sensibilização e manifestações a favor dos direitos dos animais.
De louvar a manifestação anti-touradas promovida por 27 organizações internacionais de apoio aos direitos os animais realizada no dia 17 deste mês junto ao Campo Pequeno, na qual tive a satisfação de participar. O desprezo e desdém com que os manifestantes foram tratados pelos transeuntes, principalmente pelos que se dirigiam para a tourada é sintomático da grande dificuldade que existe em fazer compreender e aceitar os direitos de outros seres vivos, animais como nós, só que menos inteligentes e sem capacidade de falar e, consequentemente, de pôr em prática e fazer cumprir a lei vigente. Esta necessária mudança de mentalidades tem de começar pelos próprios fiscalizadores e aplicadores da lei. Não basta existir no nosso ordenamento jurídico a legislação adequada, é necessário sobretudo que a mesma seja efectivamente aplicada. E enquanto não se conseguir alterar as mentalidades destes fiscalizadores e aplicadores da lei, que a grande maioria das vezes comungam dos mesmos sentimentos de desprezo e desinteresse pelo bem estar dos animais e compactuam com os maus tratos a eles infligidos, não só na falta de cuidados sanitários, mas inclusivamente ao nível da agressão corporal, não será possível efectivar a lei por melhor e mais progressista que seja. O respeito pelos animais não é mais do que o respeito pelos outros seres vivos.
Enquanto não soubermos respeitar os nossos animais não nos poderemos considerar civilizados!
Susana Cardoso
Subturma 6

Sílvia Borges Alves disse...

" O pressuposto de que os animais não têm direitos e a ilusão de que o nosso tratamento para com eles não está sujeito a qualquer moral é com certeza um escandaloso exemplo de Ocidental brutalidade e barbaridade. Compaixão Universal é a única garantia de moralidade."
Arthur Schopenhauer

O Homem tem a obrigação moral de reconhecer e respeitar os animais!
O reconhecimento por parte da espécie humana dos direitos à existência das outras espécies de animais constitui o fundamento da coexistência das espécies no mundo!
A qualificação jurídica dos animais como "coisas" não foi a opção mais feliz do nosso direito, mas compreende-se... Infelizmente a nossa sociedade ainda não se mobilizou activamente no sentido de exigir do legislador português o reconhecimento do “estatuto” dos animais.
Poucos foram ainda os passos legislativos dados no nosso ordenamento jurídico nesse sentido.
Para além da Lei 92/95 de 12 de Setembro relativa à Protecção dos Animais, posteriormente alterada pela Lei 19/2002 de 21 de Julho pode ainda destacar-se a Portaria n.º 1427/2001 de 15 de Dezembro que aprovou o Regulamento de Classificação, Identificação e Registo dos Carnívoros Domésticos e Licenciamento de Canis e Gatis.
Será extremamente ambicioso reclamar a existência efectiva de uma Declaração Universal dos Direitos dos Animais?
Não será correcto criminalizar todas as condutas que atentem contra a integridade física dos animais?
Deixa-me extremamente chocada o facto de viver numa sociedade hipócrita que recusa reconhecer aos animais um estatuto que lhe pertence por natureza!!
Existe ainda um longo caminho a trilhar nesta matéria...