quinta-feira, 29 de março de 2007

In dubio...

Estimulados pelo moderno desafio de materializar a avaliação contínua, iniciamos a nossa presença neste Verde Espaço com uma questão sobre os princípios do Direito do Ambiente: a já “madura” discussão entre os princípios da Prevenção e da Precaução.

"...[O] princípio da precaução vem transcender a passagem do modelo clássico «reaja e corrija» para o modelo «preveja e previna» inaugurado pelo princípio da prevenção"
(in Ana Gouveia e Freitas Martins, «O princípio da precaução no direito do ambiente», AAFDL, 2002, pp. 93.).

Parafraseando o Dr. Rui Lanceiro, “Qual o sentido e alcance da afirmação?”

Em especial sobre a questão:
- Gomes Canotilho (coord.) «Introdução ao Direito do Ambiente», Cadernos da CEDOUA, Universidade Aberta, 1998, pp. 41 ss.
- Vasco Pereira da Silva, «Verde Cor de Direito – Lições de Direito do Ambiente», Almedina, Coimbra, 2002, pp. 66-73.

Carlos Barbosa
José Pedro Baltazar

10 comentários:

Ana Sofia Rendeiro disse...

Não me deterei na análise jurídica dos artigos em que estes princípios estão presentes, na discussão sobre a incorporação do princípio da precaução no ordenamento jurídico português, ou nos conceitos apresentados por vários autores para cada um deles, pois nas aulas práticas estes aspectos foram já abordados.
Opto assim por expressar a minha opinião sobre o papel que estes princípios devem ter no Direito do Ambiente.
O princípio da prevenção é essencial no que respeita à defesa do meio ambiente, especialmente quanto à sua tutela objectiva.
O Estado administrador, legislador e julgador não pode ter apenas em conta uma protecção meramente imediata e concreta, mas ter consciência de que, por exemplo, a gestão dos recursos ambientais exige um equilíbrio ponderado e prognóstico de interesses para se poder seguir um caminho de sustentabilidade.
Sabemos que os bens são caracteristicamente escassos, mas quanto aos bens ambientais este aspecto evidencia-se especialmente: a natureza leva o seu tempo a renovar-se e por vezes os danos são irreparáveis.
Mais do que distinguir terminologias (“precaução” ou “prevenção”), devemos atender os fins destes princípios: visa-se minorar consequências negativas dos actos administrativos, das relações negociais entre privados, etc. que colocam em perigo hoje e/ou no futuro bens jurídicos ambientais, quer advenham de causas naturais, condutas humanas ou ambas.
Entendo que onde se lesse “prevenção” ou “precaução” deveria compreender-se desde logo prevenção neste sentido amplo, pois é esta a tutela que este ramo do Direito, como um todo, exige. A protecção deve ser sempre a mais alargada possível, desde que adequada, idónea (com efeito útil efectivo ou previsivelmente efectivo) e proporcional, contendendo o menos possível com outros direitos fundamentais, como exige a Constituição da República Portuguesa.
Muitas vezes é difícil prever quais os danos que poderão advir no futuro, pelo que se deve evitar a tendência de impor medidas demasiado gravosas, sem um fundamento, seja ele científico e/ou estatístico ou outro, que sustente a adequação e proporcionalidade, extrapolando-se assim os fins de prevenção razoável.
Na dúvida não se pode decidir sempre pelo ambiente, nem deverá caber sempre ao agente que, por exemplo, irá iniciar uma actividade poluidora, provar que os danos ambientais são ou irão ser menores do que os perspectivados pela Administração.
Há que fazer um constante exercício de equilibrismo (daí as actualizações de licenças, por exemplo) atendendo aos fins de cada meio de tutela, respectivo a cada bem jurídico fundamental ou análogo. Temos de ter em conta que um desenvolvimento sustentável não se alcança com medidas ecológicas extremas, mas sim adequadas à coexistência dos diversos bens jurídicos.
Concluo, aqui na esteira do regente desta cadeira, afirmando que se deve entender o princípio da prevenção em sentido amplo, num modelo de “reaja e corrija”, mas também “preveja e previna”.

Ana Mendes disse...

O princípio da prevenção deve ser concretizado em sentido amplo, ou seja, deve ter uma dimensão capaz de abranger os acontecimentos naturais, bem como, as condutas humanas susceptíveis de lesar o meio-ambiente.
Este princípio deve ser capaz de antever as potenciais situações lesivas do ambiente, para além de reagir perante elas. Esta posição de reacção perante as lesões ambientais exprime o princípio da prevenção, mas apenas num sentido restrito, isto é, a reacção perante perigos imediatos e concretos.
Hoje em dia, as lesões ambientais podem ter origem num concurso de causas naturais e humanas, não sendo possível distinguir, em muitos dos casos, qual a causa predominante da lesão.
O decisor público deve fazer um juízo de prognose, deve ter em conta, não só a realidade actual mas também a realidade futura, as gerações futuras.
O decisor público deve estar atento, a cada decisão que toma e fazer uma ponderação das consequências negativas, de modo, a evitá-las ou, pelo menos, minorá-las já que o custo zero a nível ambiental é impossível. O decisor deve tomar medidas racionais e tendo em conta o princípio do desenvolvimento sustentável, fazer uma ponderação equilibrada das vantagens e desvantagens, compatibilizando as políticas económicas e as políticas ambientais, assim, as decisões públicas devem ser fundamentadas ecologicamente.
Em conclusão, para além de reagir perante os perigos ambientais, devemos fazer todos os possíveis para evitá-los.

Amarela disse...

O princípio da precaução, por vários motivos que vêm sendo sucessivamente explicitados pela doutrina (terminológicos, materiais, jurídicos, económicos, sociológicos…), não traz verdadeiramente uma evolução positiva para o direito do ambiente. Para além da sua importação "tout cours" ser por si só condenável, há que, antes de abraçar qualquer conceito, ponderar as vantagens e desvantagens que efectivamente traz, bem como, na minha opinião, questionar se não existem já no nosso ordenamento mecanismos que resolvam as questões que o referido conceito pretende solucionar.
Tendo em conta a frase a que me propus comentar, desenvolveria apenas o segundo dos referidos tópicos de reflexão. Parece-me que o princípio da precaução é um mero desenvolvimento do princípio da prevenção, cuja alteração terminológica não traz qualquer conveniente. A todos os princípios é permitida a elasticidade de ter concepções mais amplas e mais restritas e não me parece que seja necessária a alteração terminológica proposta. Por outro lado, ao estabelecer a fronteira entre o princípio da prevenção e precaução deparamo-nos com um cenário curioso: é que, excepto numa acepção muito restrita de precaução (o que também é irrealista, porque a concretude ou proximidade de um perigo são sempre relativas), a parte moderada do conteúdo do princípio da precaução (ou seja, a que exclui a premissa in dubio pro natura e extremismos do género) verdadeiramente é ainda conteúdo da prevenção.
Concluindo, parece-me que o princípio da prevenção responde por si só de forma satisfatória aos problemas que se tentam resolver com o princípio da precaução, não contribuindo para a solução do verdadeiro problema que a prevenção coloca: a graduabilidade dos conceitos de “perigo” e de “certeza” e a amplíssima discricionariedade administrativa.

ana isabel silva disse...

O núcleo central do princípio da precaução emana da premissa “ preveja e previna”. O termo “preveja”, atinente ao princípio da precaução apresenta especificidades em relação ao princípio da prevenção. Este ostenta um âmbito de aplicação mais restrito, com base em fundamentos científicos de causalidade, enquanto que o princípio da precaução antecipa futuros e imprevisíveis danos ecológicos. Consequentemente, neste princípio prevalece uma óptica futurológica dos prejuízos ambientais. Na verdade, esta lógica inerente ao princípio da precaução tem preponderância na avaliação de impacto ambiental e no recurso ás melhores técnicas disponíveis no âmbito do licenciamento ambiental.
A incerteza científica que decorre do princípio da precaução é intrínseca ao surgimento de uma sociedade de risco. Segundo o Professor Gomes Canotilho, “o princípio da precaução destina-se a superar o cepticismo decorrente da falta de provas científicas, invertendo o ónus da prova de um dano ambiental possível”. Desta forma, a atitude de precaução fundamenta-se no irrealismo da previsão das múltiplas lesões ecológicas possíveis. No entanto, conforme a perspectiva de A. Giddens, a intangibilidade da certeza científica tornou-se uma ilusão, quebrando-se o laço ténue entre a certeza e a dúvida. O fim da precaução incide, particularmente, na defesa da natureza. Assim, este princípio intervém na protecção do ambiente, pois é mais tangível e rápida a prevenção da tutela ambiental sem o recurso a nexos de causalidade inequívocos.
Não obstante, é necessário valorar o princípio da precaução tendo como linha orientadora o princípio da proporcionalidade, equilibrando os interesses ambientais com os económicos. Refira-se que, actualmente, o investimento económico não apresenta um custo zero a nível ambiental e a salvaguarda dos valores ambientais não pode impedir o desenvolvimento económico, partilhando uma perspectiva do princípio do desenvolvimento sustentável. Outro corolário do princípio em causa é a inversão do ónus da prova que por um lado se apresenta como a melhor forma de defender o ambiente e, por noutro, surge como um bloqueio à iniciativa económica e como inibidor de mudanças tecnológicas.
Parafraseando o Professor Vasco Pereira da Silva, é “preferível adoptar um conteúdo amplo para o princípio da prevenção”, para que este consiga abarcar as virtualidades do princípio da precaução mas “ sempre de acordo com critérios de razoabilidade e de bom-senso”. A adopção desta tese permite “prevenir” de uma forma equilibrada evitando os efeitos nefastos da consideração autónoma da precaução. Em conclusão, a tutela ambiental realizada através da perfilhação de um conceito amplo do princípio da prevenção permite um equilíbrio entre a protecção plena do bem jurídico ambiente e o desenvolvimento económico.

T. disse...

O princípio da prevenção tem como fim primordial evitar lesões do meio ambiente. Para tal, é necessário recorrer a um juízo que inclua as situações presentes, mas também, as possíveis consequências ambientais das mesmas.
Penso que o facto de se distinguir um novo princípio – o princípio da precaução –, com uma natureza e finalidade diferentes do princípio da prevenção, não traz qualquer vantagem e não consubstancia uma ultrapassagem do modelo clássico. O próprio princípio da prevenção não afasta uma vertente preventiva, como sugere a autora, limitando-se a reagir a lesões efectivas, numa lógica de imediatismo.
O Professor Vasco Pereira da Silva aponta razões de índole diversa (linguística, material, entre outras) que permitem afastar o entendimento de que se tratam de dois princípios diferentes.
Além disso, a consagração de dois princípios supostamente distintos, mas que pretendem, pelo menos do meu ponto de vista, uma mesma e única finalidade - reacção a lesões actuais ou futuras -, traz inúmeras dificuldades de delimitação. Perante uma situação concreta distinguir se está em causa o princípio da prevenção, por se exigir uma reacção imediata, ou antes o princípio da precaução, por se tratar de danos que ainda não se verificaram, é irrelevante. Para quê complicar tanto, construindo conceitos semelhantes, quando podemos recorrer a uma noção ampla de princípio da prevenção?
Uma das características dos princípios jurídicos é o facto de serem elásticos, de modo a abranger uma panóplia de situações, que se possam reconduzir ao seu espírito.
Do exposto, decorre que a construção de um princípio novo, que algumas vozes defendem ser tão inovador, apenas leva a uma duplicação da mesma realidade, não concretizando de um modo mais concreto, toda a indeterminação que decorre do princípio já existente.

Unknown disse...

A vaexata quaestio que cumpre apreciar, assume contornos essenciais, na medida em que destaca o mais recente princípio do Direito do ambiente -o Principio da Precaução – caracterizado pela ampla protecção que confere ao ambiente.

É frequente sustentar o Princípio da Precaução com a máxima “Better safe than sorry”, de forma a justificar a protecção do meio ambiente, mesmo na ausência de certezas jurídicas. Sobre o homem recai o ónus de preservar os recursos ambientais em beneficio das gerações presentes – atendendo ao Princípio do desenvolvimento sustentável – sem, contudo, olvidar o compromisso que assume perante as gerações vindouras – assente na solidariedade intergeracional.

Urge conferir uma maior e mais eficaz protecção ao meio ambiente. Esta realidade vem justificar uma preferência pela antecipação de danos que poderiam, num futuro próximo, revelar-se irreversíveis. Assim, emerge o Principio da Precaução, obrigando a uma antecipação da acção protectora perante a iminência de perigos para o ambiente.

Inovadora face à prevenção tradicional – que lida com a probabilidade – a precaução vai além – cobrindo a mera possibilidade, ainda que desprovida de qualquer suporte científico. Trata-se, segundo Carla Amado Gomes, de uma “ extensão da atitude cautelar a riscos.”

Uma ideia, comummente associada ao Princípio da Precaução, consiste na inversão do ónus da prova em relação aos agentes potencialmente poluidores. Estes, de maneira a desenvolverem a sua actividade, terão de demonstrar a inocuidade da sua prática relativamente ao ecossistema.

Nesta altura, temos por demonstrado que a razão está com Ana Gouveia e Freitas Martins quando referem que “ o Princípio da Precaução vem transcender a passagem do modelo clássico “reaja e corrija” para o modelo “preveja e previna” inaugurado pelo Princípio da Prevenção”.

A prevenção exige claramente a adopção de medidas contra riscos já identificados. Já a precaução alerta para a necessidade de agir contra a emergência de riscos, cuja existência ou dimensão ainda não foi demonstrada, ou mesmo a necessidade de agir na ausência de riscos em prol da não perturbação de recursos ambientais que exigem ampla protecção.

No entanto, sendo incontestável a alusão expressa ao Princípio da Precaução em vários preceitos legais (inclusive, a nível comunitário), como reflexo de um movimento de reforço da protecção ambiental, não podemos deixar de demonstrar os perigos representados pela sua radicalização.

A aceitação de padrões rígidos da precaução baseada numa concepção extremista da premissa “ in dubio pro natura” traduzir-se-á, indubitavelmente, num prejuízo sério e incontornável para a industria e desenvolvimento económico, na medida em que se age com base em suspeitas que, em grande número de casos, não terão um mínimo apoio de índole cientifica.

A pedra de toque na aplicação do Principio da Precaução implica considerações de proporcionalidade, que obrigam à utilização deste conceito, atendendo às possibilidades económicas de cada Estado em confronto com o tipo de situação ambiental em presença.

A ideia de precaução, quando extremada, impede todo e qualquer desenvolvimento, perante a miríade de riscos possíveis. Por outro lado, não parece legitimo exigir a prova de inocuidade de uma actividade quando a própria ciência é incapaz, em face do caso concreto, de comprovar a existência de um risco. Parafraseando Entringer, “ a situação de incerteza exclui por definição o risco zero”.

Rejeitando esta ideia de precaução, que prevalece a qualquer custo sobre os valores tecnológicos e económicos, alguma doutrina considera ainda proveitosa a autonomização do Principio da Precaução do tradicional Principio da Prevenção. Neste sentido, refere o Professor Gomes Canotilho que, “ apesar de muitas vezes não ser claro na doutrina o conteúdo deste princípio, é manifesto que ele não deve ser confundido com nenhum dos outros princípios, nomeadamente, com o Principio da Prevenção”. Também, neste sentido, se insurgem Ana Gouveia e Freitas Martins que defendem uma concepção intermédia segundo a qual, “ procuram conferir operacionalidade ao Principio da Precaução, sem o deixar diluir-se no Principio da Prevenção, mas, simultaneamente, sem cair em fundamentalismos e exigências irrealistas”. De acordo com esta ideia, procura-se dar uma resposta adequada e proporcionada aos diversos cenários de riscos que se apresentam.

Não obstante, entendo que, na esteira do Professor Vasco Pereira da Silva (e recorrendo a uma ideia moderada do Principio da Precaução), é preferível não proceder à autonomização do Principio da Precaução face ao Principio da Prevenção e, antes, parece mais proveitoso construir uma noção ampla de prevenção, adequada a resolver os problemas ambientais. O que subsiste e se reforça é um Principio de prevenção de perigos e riscos – pautado pela imposição de restrições às actuações potencialmente lesivas do meio ambiente, que tendem a tornar-se mais rígidas de acordo com o grau de gravidade dos danos, e que tem na sua génese uma ponderação dos interesses em presença.

Considero, em conclusão, que a precaução não é mais do que o aprofundamento do Principio da Prevenção, modulado pelo principio da proporcionalidade, em função da ponderação entre aquilo que se protege e a forma como se protege, num quadro de razoabilidade e bom senso.

Sara Fernandes

Rita Gomes Pinheiro disse...

Podemos sustentar que existiu um “mundo económico” antes e depois da Revolução Industrial ocorrida na parte final do século XIX.
Antes da Revolução Industrial, o progresso económico e social foi lento ao longo dos séculos. Depois disso, assistiu-se a um crescimento exponencial da riqueza das nações e das pessoas do hoje chamado mundo Ocidental, que no século XX se estendeu a outros cantos do mundo.
A principal preocupação existente no século XX era crescer economicamente o mais rapidamente possível, sem olhar a meios nem consequências.
Este paradigma do século XX, que incluiu preocupações de solidariedade social a partir da sua 2ª metade, desembocou ainda no final do século passado, num outro paradigma - o da segurança.
Os políticos, as nações e a sociedade civil constataram que o modelo de crescimento económico vigente, tinha custos graves que punham em causa o meio ambiente e, no limite, se nada se fizesse, poderia até provocar uma regressão do bem-estar das pessoas e a própria subsistência da vida humana no nosso planeta.
É neste quadro que surgiram as preocupações ambientalistas, se constituíram organizações nacionais e internacionais de defesa do meio ambiente e enfim, nasceu o Direito do Ambiente.
É também neste quadro que surgiu o princípio da prevenção que tem por objectivo a preservação do meio ambiente e evitar a poluição do ar, dos solos e dos mares. Este desiderato implica a existência de uma capacidade de antecipação das situações, de origem natural ou humana, que possam prejudicar o meio ambiente, de forma a permitir a adopção de medidas que evitem tais situações. Tal significa que o conceito de prevenção tem subjacente uma atitude pró-activa, preventiva das situações que prejudiquem o ambiente, e não uma atitude reactiva  típica de tempos passados, em que a agressão do meio ambiente ainda não fazia parte da agenda social e política das sociedades da comunidade mundial, que se consubstanciava na tomada de medidas depois dos acidentes ambientais terem ocorrido.
Em tempos mais recentes, surgiu ainda um outro princípio, associado ao princípio da prevenção, denominado princípio da precaução. Entendem os defensores da autonomia do princípio da precaução (exemplo: Ana Gouveia e Feitas Martins, Colaço Antunes, Gomes Canotilho, Chris Backes e Jonathan Verschuuren, entre outros) que tal se justifica dado que o traço essencial que afasta e delimita os dois conceitos – prevenção e precaução – é o da identificação ou não de um risco.
Assim, enquanto o princípio da prevenção determina a adopção de medidas contra riscos já identificados, o princípio da precaução assume que é necessário agir contra riscos cuja existência ou dimensão ainda não foi demonstrada. Em termos práticos, o princípio da precaução tendo subjacente a necessidade de agir contra algo ainda não visto concretamente, ou seja, ainda não verificado, obriga a que se desenvolvam políticas que apostem na melhor tecnologia disponível – tecnologias limpas – o que permitirá minimizar quaisquer danos ambientais, ainda que se desconheçam quais sejam. O princípio da precaução visa que havendo dúvida se irão ocorrer ou não danos ambientais, que a própria ciência não pode garantir com certezas absolutas, se decida “pró natura” ou “pró-ambiente”.
Ao contrário, entendem outros autores (exemplo: Vasco Pereira da Silva, Andreas Reich, Reiner Schmidt, Hans Schulte, entre outros) que não se justifica a consagração deste novo princípio da precaução, dado que grosso modo, o importante é a construção de um conceito de prevenção mais amplo, que contemple e abranja a noção de precaução, tanto que entendem que antes de mais, podemos estar perante uma questão de mera semântica, já que não é fácil distinguir, em termos vocabulares, a prevenção da precaução.
Acresce referir, ainda segundo os mesmos autores, que não é fácil distinguir prevenção e precaução em função do carácter actual ou futuro dos riscos, já que no domínio do ambiente, um e outro princípio estão interligados, tornando-se necessário proceder a juízos apriorísticos que permitam considerar ambos simultânea e conjugadamente.
Tudo visto, é nosso entendimento que mais do que a necessidade de proceder à autonomização do princípio da precaução, será mais pragmático, até em termos de técnica jurídica – o ordenamento jurídico português eleva a prevenção à categoria de princípio constitucional com o que isso significa em termos de actuação dos poderes públicos – adoptar um conteúdo amplo para o princípio da prevenção, que inclua tanto os perigos naturais como os riscos humanos e a antecipação de desastres naturais ambientais quer de carácter actual quer de carácter futuro.

Carlos Figueira disse...

A pedra de toque da questão "sub judicio" assenta, a meu ver, na relação que se estabelece entre os principios da prevenção, por um lado, e da precaução, por outro.
No que concerne ao primeiro, encontra consagração legal implícita no artigo 66º/2,a) da constituição. A sua "ratio" cifra-se na intenção de evitar lesões ambientais, pelo que consubstancia o exercício de juízos de prognose que permitam revelar eventuais factores humanos ou naturais susceptíveis de conduzir àquele resultado. Do exposto deflui que o escopo deste principio é essencialmente profiláctico.
Não obstante, caso as ofensas se concretizem em lesões este adágio do direito do ambiente vincula o orgão decisor a adoptar medidas destinadas a minorar os danos causados.
Reportando-me agora ao principio da precaução, a primeira questão que se coloca tem a ver com o seu conteúdo. Seguindo a doutrina dos Professores Vasco Pereira da Silva e Carla Gomes creio que o mesmo se dilui numa concepção ampla do principio da precaução.
O ciriticismo dos supramencionados Autores no tocante à autonomização do principio da precaução, gravita em torno de diversos argumentos: em primeiro lugar, os partidários daquela autonomização partem do pressuposto de que é viável discernir entre perigos naturais e riscos humanos, de um lado, e lesões actuais e futuras, do outro.
Diversamente, os Professores Vasco Pereira da Silva e Carla Gomes sublinham que, na sociedade hodierna, ou seja, numa sociedade dominada pela técnica, é falacioso distinguir de forma estanque causas humanas e factores naturais. Na verdade, o que, normalmente, se verifica em face de um dano ecológico é um concurso entre as mesmas.
Por outro lado, ao principio da precaução é associado o brocardo "in dubio pro natura", pelo qual se pretende significar que, se relativamente a determinado projecto subsistirem dúvidas quanto à sua inoquidade ambiental, o mesmo não deverá prosseguir. Intrisecamente ligado a esta asserção está o mecanismo da inversão do ónus da prova. Quer dizer: o potencial agente agressor teria o encargo de, previamente, atestar a inoquidade do projecto que pretendia licenciar, ainda que a ciência se afigurasse dúbia.
Na opnião dos referidos Autores trata-se de uma autêntica "diabolica probatio" sobretudo pelo facto de qualquer actividade comportar um grau considerável de risco. Ademais tal entendimento levaria, no limite, a pôr em causa o desenvolvimento económico e social, em virtude da hipervalorização dos valores ambientais em detrimento dos demais.
A estas razões acresce o elemento literal: de facto entre nós prevenção e precaução são expressões praticamente sinonímicas.
Sem prejuízo do que ficou dito, o legislador parece ter sido indiferente a tais reptos. Na verdade, a distinção entre ambos os principios resulta "expressis verbis" quer do artigo 174º/2 dos tratados institutivos da União Europeia, quer do artigo 3º/1, als e)e f) da Lei das Àguas.
A estes factos contrapõe o Professor Vasco Pereira da Silva nos seguintes termos: quanto ao primeiro, alerta para a circunstância de a própria jurisprudência do Tribunal de Justiça defender que aquele preceito vincula, antes dos Estdos-Membros, as instiuições comunitárias; quanto ao segundo, recorda que o intérprete não está vinculado à letra da lei.
Assim sendo, creio que em nome do ambiente, do realismo e do bom senso a perspectiva dogmática a adoptar será aquela que aposta numa concepção ampla de prevenção de tal maneira que sejam ponderados tanto as causas humanas, como as naturais, de um lado e tanto as lesões actuais, como as futuras ,do outro.
Deste prisma, "reagir e corrigir", assim como, "prever e prevenir" não são conceitos dissonantes, mas sim harmónicos e complementares.

Unknown disse...

Os crescentes factores de risco que ameaçam o meio ambiente, aliados à escassez e perenidade dos recursos naturais, impõem a aplicação da regra de senso comum de que «mais vale prevenir que remediar», inerente ao princípio da prevenção.

Com efeito, o princípio da prevenção visa evitar a produção de efeitos danosos para o ambiente e, como tal, impõe a formulação de um juízo de prognose que permita identificar situações potencialmente perigosas e, consequentemente, adoptar as medidas mais adequadas para afastar a sua verificação ou, pelo menos, minorar as suas consequências.

VASCO PEREIRA DA SILVA preconiza uma noção ampla do princípio da prevenção, em detrimento das últimas tendências doutrinárias que pugnam pela autonomização do princípio da precaução, ínsito no artigo 174.º do TUE.

Acompanho este Autor na sua posição, dadas as inúmeras dificuldades na dissociação do âmbito dos referidos princípios, uma vez que os diversos critérios não me parecem inequívocos.

Exemplos paradigmáticos constituem os critérios em razão das causas naturais/humanas dos perigos ou do carácter actual/futuro dos riscos, uma vez que se encontram necessariamente interligados, ou mesmo, em concurso.

Também o princípio «in dubio pro natura», ao impor a consideração ambiental dos fenómenos, parece totalmente consentâneo com o âmbito do princípio da prevenção. No entanto, entendido como uma verdadeira presunção que obriga quem pretende iniciar uma actividade a fazer prova de que não existe qualquer perigo de lesão ambiental, o princípio «in dubio pro natura» configura um ónus excessivo, pois tal como refere VASCO PEREIRA DA SILVA, o risco zero em matéria de ambiente é uma realidade inatingível.

A racionalidade e o bom senso na tutela do ambiente exigem soluções fundadas na certeza e na segurança jurídica, que apenas uma noção ampla do princípio da prevenção permite adoptar.

Ana Rita Venda

Unknown disse...

A c.r.p estabelece um conjunto de princípios fundamentrais,entre ois quais o príncipio da prevenção,princípio relativamente novo produto de um processo de consciencialização social.O conteúdo do princípio da prevenção em sentido restrito pode ser entendido no sentido de se destinar a evitar perigos imediatos e concretos.Em sentido amplo no sentido de afastar eventuais riscos futuros,mesmo que não inteiramente determináveis,permite também antecipar situaçãoes susceptiveis de lesar o ambiente, quer sejam provenientes de causas naturais ou humanas.Ultimamente tem existido uma tendência doutrinária no sentido de assimilar o princípio da prevenção à sua acepção mais restritiva,ao mesmo tempo que se procede à autonomização de um princípio da precaução,de conteúdo mais amplo(vide art,174º,nº2.do Tratado da União Europeia) Na esteira do Professor Vasco Pereira da Silva é preferivel à separação entre prevenção e precaução como princípios distintos é a construção de uma noção ampla de prevenção e isto devido a motivos de natureza linguística,porque se deve integrar no conteúdo do princípio de prevenção uma dimensão que abarque tanto acontecimentos naturais como condutas humanas capazes de lesar o meio ambiente;de conteúdo material,pois não são unívocos os resultados a que conduz a autonomização do princípio da precauçãoo. Não é adequado distinguir o ãmbito da prevenção em razão de perigos decorrentes de causas naturais e a precaução em função de riscos,que seriam provocados por accões humanas já que as lesões ambientais são o resultado destas duas causas,constantemente,temos o exemplo das inundações provocadas po um fenómeno natural como a chuva,mas que também é potenciadp pela´´humana`´´poluição atmosférica.Da mesma maneira não se deve distinguir prevenção e precaução com base no carácter actual ou futuro dos riscos pois no dominío das lesões ambientais estes encontram-se interligados,sendo necessário,por exemplo,quando está em causa uma decisão de avaliação de impacte ambiental proceder à realização de juízos de prognose que permitam considerar ambos simultâneamente.Conclusão:antes e mais do que se proceder À autonomização do princípio da precaução é preferivel adoptar um conteúdo amplo para o princípio da prevenção,de modo a incluir nele perigos naturais como riscos humanos,a antecipação de lesões ambientais de carácter actual como futuro,de acordo com critérios de razoabilidade e bom-senso.