quinta-feira, 22 de março de 2007

Boas-Vindas e Primeiras Questões

Queria começar por dar as boas-vindas a todos ao Blog de Direito de Ambiente!

Para dar início à participação (que se quer muita e de qualidade) peço-vos que atentem às seguintes questões:

"O direito fundamental ao ambiente constitui o fundamento para a criação de relações jurídicas ambientais (multilaterais) de natureza pública e privada"
(Vasco Pereira da Silva).
Qual o sentido e alcance da afirmação?

Gomes Canotilho subordinou a sua oração de sapiciência de abertura do ano lectivo de 1995/1996, da Universidade Autónoma de Lisboa, em 13 de Dezembro de 1995, à pergunta: "Juridicização da Ecologia ou Ecologização do Direito?"
Que resposta pode ser dada à mesma?

19 comentários:

Pedro Henriques disse...

A realidade societária assenta na pluralidade de sujeitos e na multiplicidade de relações que estes estabelecem.

O direito fundamental ao ambiente, como qualquer direito fundamental, não é alheio a esta verdade, dele resultando uma teia complexa de posições que podem opor os cidadãos entre si, ou os particulares e a administração pública.

Nas palavras do Sr. Prof. Dr. Vasco Pereira da Silva (in Verde Cor de Direito, p.94), os direitos fundamentais são “definidores de um estatuto dos particulares, susceptível de ser concretizado numa relação jurídica determinada. E que fica dependente de um facto jurídico, «que transforma a previsão legal de direitos e deveres, susceptíveis de integrar uma ligação entre dois ou mais sujeitos de direito numa relação jurídica.1»” (1 Vasco Pereira da Silva, Em Busca do Acto Administrativo Perdido, p.177)

De facto, os direitos fundamentais apresentam uma dimensão negativa (art.18º da CRP) e uma dimensão positiva, traduzindo-se o seu regime num conjunto composto por regras que visam proteger a esfera individual de cada cidadão face a agressões públicas e privadas, e por regras que impõem deveres de actuação públicos, destinados a obrigar o Estado a concretizar os objectivos constitucionais.

Nestes termos, direito fundamental ao ambiente é fundamento de relações jurídicas multilaterais, as quais podem revestir natureza pública ou privada.

Se pensarmos em exemplos de relações jurídicas ambientais facilmente verificamos que essas situações teriam uma multiplicidade de partes.

É o caso do sr. A que decidiu utilizar um fertilizante que polui o rio subterrâneo, trazendo danos a todos os que daquela água beneficiam, ou do sr. B que decide instalar uma fábrica que irá poluir a atmosfera, contribuindo no geral para a destruição da camada do ozono e poluindo a atmosfera dos bairros limítrofes.

Além do carácter multilateral destas relações verificamos que a presença pública é, hiperbolizando, quase uma omnipresença. A presença estadual é uma presença assídua na maioria das relações ambientais, o que resulta da dimensão positiva do direito fundamental ao ambiente e dos deveres objectivos de protecção do ambiente (art. 9º, al.s d, e).

Nos exemplos referidos esta situação é patente, cabendo sempre ao Estado um papel preponderante, até porque a utilização daquele produto e a instalação da indústria dependeriam, em princípio, da intervenção estadual (através da emissão de autorizações e licenças), gerando-se uma relação entre o sr. A/B, a administração e os particulares, i.e. uma relação jurídica multilateral entre o poluidor, a administração e os lesados.

Efectivamente, são “sujeitos das ligações administrativas outros privados que não apenas aqueles a quem são aplicáveis normas ordinárias de cariz indiscutivelmente subjectivo, ou que são os imediatos destinatários de actos administrativos. Esses particulares, titulares de direitos subjectivos públicos, já não podem mais ser considerados “terceiros” em face da Administração, ou perante aqueloutros privados imediatamente destinatários da sua actuação, antes como autónomos sujeitos de uma relação multilateral, que tem de incluir direitos e deveres recíprocos dos particulares (de cada um deles relativamente ao outro, ou outros, e de cada um deles em face da autoridade administrativa) e da Administração (relativamente a cada um dos particulares)” (Vasco Pereira da Silva, Em Busca do Acto Administrativo Perdido, p.273).

Este entendimento é apoiado pelo art. 53º do CPA, nos termos do qual têm legitimidade procedimental os titulares de direitos subjectivos e interesses legalmente protegidos, os sujeitos com legitimidade para a protecção de interesses difusos, e os lesados ou previsivelmente lesados em bens fundamentais como o ambiente.

Amarela disse...

1.
Conforme nos é sugerido por vários administrativistas, a visão da actuação administrativa como criadora de relações estabelecidas entre a Administração e um particular (ou até mesmo dois ou três) não se compadece com a actual complexidade social e jurídica. Assim, torna-se fácil a conclusão de que muitas das relações administrativas são na realidade multipolares ou poligonais. Sendo certo que esta característica não é nem essencial nem privativa do Direito do Ambiente, deu este ramo do direito um grande impulso no sentido de derrocar definitivamente a clássica visão referida. Isto é em grande medida devido à natureza jusfundamental do direito ao ambiente e também, de uma outra perspectiva, da sua natureza de interesse difuso.
Por um lado, ao consagrar um direito fundamental ao ambiente estamos naturalmente a conferir-lhe o estatuto que lhe é próprio, ou seja, o constitucionalmente consagrado de oponibilidade a entidades públicas e privadas (18º/1 CRP). Passar desta constatação à conclusão de que haverá necessariamente relações privadas multilaterais ambientais é um passo simples e óbvio.
Por outro lado, a sua natureza de interesse difuso, chave de uma verdadeira legitimidade popular (conforme ressalta do art. 52º/3 CRP), implica necessariamente a constituição de complexas redes de interesses e de posições jurídicas privadas e públicas.

2.
Em resposta à segunda questão colocada, arriscar-me-ia a afirmar que o que a realidade nos mostra é uma juridicização da ecologia E ecologização do direito. Sem querer retirar o mérito de trazer uma certa beleza poética, a opção por uma outra visão não leva a diferentes conclusões.
Seria uma tentação explicar a diferença recorrendo a uma ideia de diferentes pontos de partida: a primeira partindo de uma visão jurídico-centrista (partimos do mundo do Direito para aí incluirmos novas preocupações e bens jurídicos ambientais) e a segunda de uma eco-centrista (a imagem do ambiente a invadir o reduto sagrado do jurista, que teima em dividir a realidade entre factos juridicamente relevantes ou irrelevantes).
Uma outra possibilidade seria reconduzir a opção à ideia de que a juridicização da ecologia levaria à criação de um ramo autónomo do direito (um Direito do Ambiente com os seus institutos, fontes, princípios) e o segundo à permeabilização dos vários ramos às preocupações ambientais (assim, a consagração no Direito Civil, Penal, Administrativo de normas cuja ratio seria a protecção do ambiente).
Qualquer uma destas construções me parece válida e coerente. Contudo, e olhando para a forma como o nosso ordenamento absorveu a problemática ambiental, vemos que a copulativa é mais adequada que a disjuntiva. Por duas ordens de razões:
1. porque a visão jurídico-centrista e eco-centrista (tal como explicadas anteriormente) não se excluem, antes complementam e permitem melhor compreensão do Direito do Ambiente;
2. porque no nosso ordenamento, havendo um Direito do Ambiente enquanto ramo autónomo, encontramos também, não só a consagração de normas cuja ratio é (arriscar-me-ia a dizer) exclusivamente a protecção do ambiente (por exemplo, o crime de poluição no Direito Penal), como, mais interessante, a reinterpretação de certas normas jurídicas (de que é exemplo clássico as normas sobre emissão de fumo, produção de ruídos, cheiros no Direito Civil).

Miguel M. disse...

1) A Constituição da República Portuguesa, no número 1 do seu artigo 66º, consagra um direito fundamental ao ambiente garantido, através do número 2 do mesmo artigo, por intermédio da pluralidade de incumbências que recaem sobre o Estado (concretizando uma tarefa estadual fundamental que resultava já da alínea d) do artigo 9º). Não é indiferente a forma como a Constitução trata esta matéria, prevendo desde logo o envolvimento e a participação dos cidadãos; porém, ainda mais relevante é a constatação da transversalidade da tutela do ambiente, expressa nas oito alíneas que explicitam as tarefas que se impõem ao Estado. Essa amplitude dos interesses ambientais e o seu entrosamento com os mais variados aspectos da vida da sociedade tornam evidente a inevitabilidade do surgimento de relações jurídicas plurilaterais fundadas na protecção jusfundamental do ambiente.

Como apontam WOLFF, BACHOF e STOBER (cfr. Direito Administrativo, I, pág. 496), a figura da relação jurídica esteve demasiado tempo arredada do campo do Direito Administrativo, em virtude da idolatria do acto administrativo. Apenas depois de ter ultrapassado alguns traumas derivados da sua necessidade adolescente de afirmação face ao Direito Civil foi possível ao Direito Administrativo reconhecer a utilidade da figura no seu próprio domínio. No que concerne, em particular, ao Direito do Ambiente, reconhecem os Autores a pertinência do instituto da relação jurídica, em função de situações de responsabilidade ambiental, cooperação e contratualização. Será acertado dizer que a relação jurídico-administrativa (e, subconsequentemente, a relação jurídico-ambiental) constitui o «conceito genérico de todas as relações bilaterais e multilaterais, externas e internas, entre a Administração e os particulares».

Se, pois, num primeiro momento o Direito Administrativo reconheceu a operatividade do instituto da relação jurídica, apropriando-se dele através do tratamento científico da relação jurídico-administrativa, num segundo passo alcançou-se a sua multilateralidade, em parte graças aos contributos do Direito do Ambiente – como aponta VASCO PEREIRA DA SILVA (cfr. Verde Cor de Direito, pp. 106 e ss.). O direito fundamental ao ambiente, enquanto direito subjectivo ou interesse difuso, estabelece um feixe de ligações entre as mais variadas entidades públicas e privadas, criando relações jurídicas. A natureza do Direito Administrativo, enquanto Direito Constitucional concretizado (cfr. FRITZ WERNER, Recht und Gericht unser Zeit, pp. 212 e ss.), permite transpor para o plano administrativo esse feixe de relações jurídicas, criando relações jurídico-administrativas decorrentes da concretização do direito fundamental ao ambiente. É, pois, certo que existem relações jurídicas fundadas na tutela do ambiente, que podemos apelidar de relações jurídico-ambientais.

Posto isto, o que dizer da natureza pública ou privada dessas relações jurídicas? A já referida horizontalidade das questões atinentes ao direito ao ambiente impele-nos a ultrapassar uma visão exclusivamente publicista, reconhecendo que o Direito do Ambiente constrói uma rede de posições jurídicas que acolhe entidades públicas e pessoas singulares e colectivas privadas; as primeiras devido às competências que lhes são conferidas, as segundas em virtude das posições jurídicas de vantagem que lhes permitem agir em defesa do ambiente – objectiva ou subjectivamente. Um dos contributos do Direito do Ambiente consiste na utilidade pública reconhecida a pessoas colectivas privadas que prosseguem a defesa dos valores ambientais, sem no entanto perder a sua natureza privada (cfr. Lei 35/98, de 18 de Julho). Tratando-se de um direito fundamental de natureza análoga a direitos, liberdades e garantias, como apontam GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA (cfr. Constituição da República Portuguesa Anotada, I, pp. 841 e ss.), a aplicabilidade directa e vinculatividade geral do artigo 66º da Lei Fundamental não permitem dúvidas quanto à possibilidade de fundação de relações jurídicas privadas em função do direito ao ambiente.

Resta, assim, considerar a multilateralidade das relações de que vimos tratando. Tendo por certo que existem relações jurídico-ambientais, e que estas podem estabelecer-se entre entidades públicas e privadas, o reconhecimento da natureza plurilateral dessas mesmas relações resulta inquestionável face à realidade. Na verdade, a multiplicidade de posições substantivas de vantagem fundadas na jusfundamentalidade do ambiente evidencia a necessidade de abandonar o paradigma da bilateralidade. Perante o exemplo clássico da fábrica poluente vemos a diversidade de sujeitos jurídicos em interligação: o industrial infractor, os trabalhadores da fábrica, os cidadãos da área envolvente, as associações locais de defesa do ambiente, as entidades administrativas responsáveis, a autarquia. Todos estes sujeitos têm direitos ou interesses – numa palavra, posições de vantagem – que, variando embora o título de legitimidade, lhes permitem agir procedimental e processualmente.

Concluindo, a afirmação citada reflecte uma realidade que exibe alguns dos contributos do Direito do Ambiente para o Direito Administrativo geral, além de retratar fielmente a complexa realidade da tutela do direito fundamental ao ambiente.

2) O Autor esclarece-nos sobre o sentido nuclear da sua récita, revelando tratar-se de averiguar a (in)consciência ecológica dos juristas. Ora, parece-nos que a oração de sapiência sobre cujo tema nos é proposto pronunciarmo-nos toma a interrogação "Juridicização da Ecologia ou Ecologização do Direito?" mais por mote do que propriamente por objecto de análise. Assim, tentaremos centrar-nos sobre a pergunta concreta, procurando não nos deter sobre as considerações que, para além dela, a esse propósito são aduzidas por GOMES CANOTILHO. De resto, qualquer uma das alternativas manifesta uma consciência ecológica, variando apenas o seu grau e o seu fundamento, como veremos.

Feita a clarificação, o que dizer sobre as alternativas sub iudice? Em sentido próprio, a juridicização da ecologia significa a atribuição de valor jurídico às regras de uma ciência que constitui um ramo da biologia dedicado ao estudo do equilíbrio entre os seres vivos – entre os quais, pasme-se, o ser humano – e o meio ambiente. Esta juridicização consistiria simplesmente na concessão de valor jurídico formal a um conjunto de postulados científicos desse ramo da biologia. Em sentido oposto, a ecologização do Direito consubstanciaria a introdução, no ordenamento jurídico, de considerações ecológicas tendentes à preservação do equilíbrio entre as actividades humanas cuja relevância aconselha a intervenção regulatória da Ordem Jurídica e a preservação do meio ambiente globalmente considerado. À primeira vista, pareceria ser esta a diferença entre os termos da interrogação, oscilando entre a visão que recebe com valor jurídico parâmetros de uma ciência natural e aqueloutra que acolhe critérios ambientais no seio duma ordem normativa social.

A questão é esta – mas não é só esta. A verdade é que, como bem aponta o Autor, por trás destas duas visões residem concepções totalmente distintas de qual deve ser o papel e o fim do Direito do Ambiente. A tese da juridicização da ecologia acaba por não fazer mais do que cristalizar essa ciência, dando-lhe um valor imperativo na definição de posições jurídicas; ocorrendo uma mera elevação da ecologia a parâmetro normativo, o Direito do Ambiente daí derivado será marcadamente (exclusivamente, melhor dizendo) ecocêntrico, ignorando preocupações exteriores ao objecto e aos valores da ciência ecológica. Desta forma se constata que, chegados à bifurcação a que somos conduzidos, o caminho a seguir terá importantes consequências que poderiam ser menos evidentes à primeira vista. Se, ao invés do que vimos de considerar, optarmos pela ecologização do Direito, estaremos perfilhando uma concepção antropocêntrica (à qual não são indiferentes as preocupações puramente económicas, como factor humano). Esta segunda via coloca a tónica no Direito como fenómeno humano de génese social, operando uma abertura à ecologia que não chega a transmutar a realidade da Ordem Jurídica.

Quanto a nós, estamos em crer que o caminho da ecologização do Direito é mais eficaz e mais sensato como processo de criação de um ramo do Direito que se pretende operativo e inquestionado. Só partindo do Direito (não esquecendo os contributos que neste âmbito nos surgem de realidades tão distintas como o Direito Civil ou o Direito do Ordenamento do Território) lograremos edificar um ramo jurídico autónomo que possa defender os valores ambientais sem cair no ecofundamentalismo a que a simples formalização jurídica de um ramo da biologia nos conduziria. O Direito do Ambiente não deve envergonhar-se da sua natureza de ramo da Ordem Jurídica, procurando renegar à sua identidade – prejudicando a coerência do ordenamento e a sua própria intersistematicidade. Contudo, em nada se deve desprezar os contributos da ecologia, os quais devem ser valorizados e incorporados neste ramo do Direito, em reconhecimento da sua especificidade.

Em conclusão, diremos que o mais importante parece-nos ser a introdução, na ciência do Direito, de uma disciplina autónoma que concilie os fins do Direito com a necessidade de garantir o equilíbrio ecológico. Por princípio, consideramos cientificamente mais adequado partir duma visão que ecologize o Direito. Contudo, a nossa única certeza está em dizer que nenhuma solução extremista deve ser consagrada. O fundamentalismo não tem aqui lugar, cabendo-nos garantir que o Direito sirva também para proteger o ambiente – objectiva e subjectivamente. Tudo o mais redunda em argumentações académicas cuja dificuldade, apesar de desafiante, não se traduz necessariamente em resultados práticos.

T. disse...

1. O conceito de relação jurídica multilateral só pode ser devidamente compreendido e explicitado após algumas breves considerações sobre o direito ao ambiente.

A CRP, em termos de tutela ambiental, assegura: uma tutela objectiva - se atentarmos ao disposto no art. 9º, al. d)/e) verificamos que ao Estado incumbe a prossecução de tarefas ambientais – e uma protecção subjectiva – o art. 66º consagra o direito ao ambiente como direito fundamental, referindo o Sr. Prof. Vasco Pereira da Silva que há mesmo uma “preferência” constitucional por esta vertente.

O entendimento do direito ao ambiente como direito fundamental reside no facto de estar em causa a dignidade da pessoa humana e, além disso, de serem identificáveis as vertentes positiva e negativa que caracterizam todos os direitos fundamentais. Assim, por um lado, o direito ao ambiente é um direito subjectivo, funcionando como “direito de defesa contra agressões de entidades públicas e privadas na esfera individual constitucionalmente protegida”. Por outro lado, é um conjunto de valores e princípios que traçam diversos deveres de actuação para os poderes públicos.

Agora, se olharmos para a realidade, rapidamente nos apercebemos que ela já não é compatível com a ideia tradicional da relação jurídica administrativa bilateral. Torna-se cada vez mais frequente o surgimento de relações multilaterais em que todos os sujeitos são autónomos, com direitos e deveres recíprocos. Podem ser dados inúmeros exemplos: desde casos em que bares se mantêm abertos, ruidosamente, até muito tarde; indústrias que não cumprem os valores limite de emissão de poluentes; até ao próprio caso do túnel do Marquês, em todos eles descortinamos inúmeras pretensões de sujeitos que intervêm, embora a títulos de legitimidade distintos, para assegurar o direito ao ambiente.

Esta nova caracterização das relações jurídicas ambientais revela também a generalização da consciência ecológica: hoje a sociedade já reconhece que o ambiente é um bem jurídico fundamental, intervindo muitas vezes sem que esteja em causa um dano directo na sua esfera jurídica. O art. 53º, n.º 1 do Código de Procedimento Administrativo confere legitimidade procedimental a todos os que possam fazer valer uma posição subjectiva de vantagem, surgindo assim inúmeras relações dotadas muitas vezes de extrema complexidade.

Maria Antonia disse...

1. Ao positivar a proteção do ambiente enquanto tarefa estadual, se consagra finalidades de tutela ecológica por alcançar pelos três poderes, legislativo, executivo e judicial. O Estado passa, portanto, a ter uma obrigação para com a sociedade, de agir quando o bem jurídico tutelado estiver ameaçado. Contudo, ao contrário do que ocorre com a positivação da proteção ambiental enquanto direito fundamental do indivíduo, são criadas somente relações jurídicas bilaterais, ou seja, entre a autoridade administrativa e o particular. Isto porque o direito fundamental ao ambiente é um verdadeiro direito de defesa, constituindo o fundamento para a criação de relações jurídicas ambientais multilaterais de natureza pública e privada. Há este alargamento da titularidade de direitos subjetivos nas relações, porque um ato do Estado atinge alguém que é por ele beneficiado, e outro que é prejudicado, sendo somente com a concessão a este prejudicado de um direito fundamental ao ambiente, que terá também um direito de se proteger em juízo. Contudo, resta ressaltar que somente com a dupla dimensão da tutela ambiental, a dimensão subjetiva, do direito fundamental dos cidadãos, e a dimensão objetiva, da tarefa estadual, que se protege verdadeira e completamente o meio ambiente.
2. José Joaquim Gomes Canotilho, em seu texto “Juridicização da ecologia ou ecologização do direito”, questiona o interesse do jurista pelo meio ambiente, dependendo do objetivo da proteção ambiental, alcança-se uma ecologização do direito, esta desejada e perseguida, ou uma juridicização da ecologia, esta, ao contrário, a qual não se ambiciona. O autor diferencia a visão antropocêntrica, que, tendo o homem no papel central, defende o direito do ambiente para salvar a sua vida na Terra; a visão econômico-cêntrica, que justifica o ramo por assegurar a vida humana num mundo de recursos já escassos; e a visão ecocêntrica, sendo esta a única capaz de produzir um direito “ecologicamente amigo”, que vê como único fundamento salvar a vida no Planeta Terra. Afirma, ainda, que os ecologistas permanecerão desconfiados do direito enquanto não se garantir os direitos fundamentais de todos os seres vivos.
A questão passa novamente, assim como aquela discutida no debate realizado em sala, sobre a forma de proteção do meio ambiente. O professor Canotilho defende não só a atribuição de direitos fundamentais aos animais, mas a todos os seres vivos. Entendo que a discussão sobre como melhorar a proteção dos animais, como ampliar os direitos que correspondem a eles e os deveres que nos correspondem, é utópica, e sob pena de se manter unicamente no campo teórico, sem real melhoria para a situação ambiental, devemos arrastá-la para o campo prático. De acordo com o meu ponto de vista, a real maneira de proteger os seres vivos não é tentando criar novas formas de proteção, mas sim tornar a proteção já existente efetiva, porque assim já ultrapassamos algumas fases, sem precisar de novas leis, o que se mostra um processo demasiado longo e detalhado.
A questão posta pelo professor não me parece ter no fundo muita diferença naquilo que concerne a real proteção ambiental, afinal, se a ecologia é incorporada ao direito, moldando-o, ou se acontece o contrário, acaba tendo no fim a mesma conseqüência da junção de dois ramos completamente diferentes. O que realmente interessa é que as duas áreas juntas consigam estabelecer limites à atuação humana, para que o meio ambiente possa ser devidamente protegido e sobreviva para a contemplação pelas próximas gerações.

Ana Catarina L Batista disse...

1.) O direito fundamental ao ambiente tem uma dupla vertente:
- vertente objectiva – no sentido de que a tutela ambiental é uma das tarefas do Estado (art. 9.º, alíneas d) e e) da CRP);
- vertente subjectiva – segundo a qual qualquer pessoa tem um direito subjectivo ao ambiente, consagrado no art.66.º da CRP.

Considerar que o direito ao ambiente tem apenas uma vertente objectiva levaria à existência de uma relação jurídica ambiental meramente bilateral (entre AP e poluidor). A protecção do ambiente, de acordo, apenas, com esta vertente, seria uma protecção incompleta, já que os titulares do bem jurídico protegido (o ambiente), no caso desse bem jurídico ser violado, nunca poderiam obter uma tutela adequada, pois, o Estado, na sua tarefa de tutela ambiental, tem, primordialmente, em conta, interesses públicos e o poluidor tem apenas como preocupação os seus próprios interesses, ficando, assim, de fora desta relação todos aqueles que sentissem as consequências da violação do bem jurídico ambiente.

A CRP consagrou, no art. 66.º, um direito fundamental ao ambiente que constitui um direito subjectivo, nos termos do qual os seus titulares têm legitimidade para iniciarem ou intervirem no procedimento administrativo (art. 53.º, nº1 CPA).
É, portanto, este direito subjectivo ao ambiente que fundamenta a existência, no Direito do Ambiente, de relações jurídicas ambientais multilaterais. Nos termos deste direito subjectivo, os particulares que virem, na sua esfera jurídica, o bem jurídico ambiente violado, poderão fazer valer a sua pretensão, fazendo com que os seus interesses (privados) tenham que ser tidos em conta.
Desta forma, em vez da clássica relação jurídica bilateral (AP/poluidor), em Direito do Ambiente, deve adoptar-se o modelo de relação jurídica multilateral (entre AP, poluidor e titulares do direito subjectivo ao ambiente que vejam o mesmo ser violado na sua esfera jurídica), pois só assim o bem jurídico ambiente ficará devidamente tutelado.

Esta relação jurídica multilateral pressupõe o estabelecimento de ligações recíprocas entre todos os sujeitos (públicos e/ou privados) da relação jurídica, sendo que, cada sujeito tem um interesse diferente em jogo. Esses interesses terão de ser conjugados e ponderados, da melhor forma possível, de modo a que todos sejam, de alguma maneira (nem que seja parcialmente), tutelados.

Diana Grilo disse...

1 – Prima facie, será adequado iniciar a resposta à questão colocada através da alusão a uma vaexata questio, discutida por alguns autores.
Ora, qual será a denominação mais apropriada para designar este tipo de relação jurídica administrativa, objecto de análise, que adiante esclareceremos melhor os seus contornos? Que adjectivo caracterizador deveremos, nós juristas, utilizar? Multilateral, multipolar ou poligonal?
Sendo procedente o argumento do carácter aberto da realidade ambiental para afastar o léxico poligonal, no meu ponto de vista, a relação jurídica administrativa em causa aproximar-se-ia mais, pelas características de que dispõe, da seguinte designação: multilateral mas de carácter tendencialmente triangular, uma vez que o que se verifica normalmente já não é um esquema binário entre autoridade(s) administrativa(s) e um ou vários particulares com interesses semelhantes, mas antes um esquema ternário entre autoridade(s) administrativa(s) versus um ou vários particulares versus um ou vários particulares com interesses antagónicos.
Efectivamente, o que verificamos frequentemente é a emergência de várias relações, em que se intrepenetram vários interesses públicos e vários interesses privados conflituantes uns com os outros ou entre eles, as quais se vão subsumir em uma única relação jurídica administariva multilateral tendencialmente triangular.
Adiante perceberemos melhor o aspecto referido.

Na verdade, a sociedade moderna tem assistido a um fenómeno de surgimento de novos direitos subjectivos públicos (teorizados comummente como posições substantivas jurídicas de vantagens dos particulares em face das autoridades públicas) que têm dado azo à formulação de uma nova categoria dogmática de relações jurídicas administrativas, as quais, em sentido inverso das tradicionalmente bilaterais, assentam na multilateralidade, uma vez que desencadeiam uma teia complexa e contígua de interligações entre vários sujeitos privados e/ou vários sujeitos públicos, no âmbito de uma confrontação de interesses frequentemente contrapostos.
A introdução na mente jurídica contemporânea de um novo conceito de relação jurídica teve como principal consequência imediata relevante a possibilidade de certos particulares, que não os imediatos destinatários dos actos administrativos, intervirem em uma dada relação jurídica administrativa enquanto titulares de direitos subjectivos públicos, deixando de ficar consignados a uma mera e inútil posição de terceiros face à Administração.
No domínio especifico do Direito do Ambiente, é perceptível que os efeitos da emissão de um qualquer acto administrativo não se restringem inocentemente à esfera da Administração Pública/Estado e aos seus destinatários, pois, hoje em dia, é inegável a sua, possível e provável, repercussão sobre outros sujeitos teoricamente considerados terceiros, mas não alheios de todo este processo.
A título de exemplo, se a Administração autoriza determinado empresário a poluir, este adquire uma posição benéfica, a qual contrasta com o prejuízo que se reflecte sobre o(s) vizinho(s) dessa indústria poluente. Imaginando a figura geométrica do triângulo podemos esquematizar da seguinte forma esta relação: em um vértice estaria centrada a Administração responsável pela emissão da autorização; no outro encontrar-se-ia o titular da licença; finalmente, no ultimo vértice, colocaríamos todos os particulares titulares de um seu direito fundamental lesado

O fenómeno da relação jurídica multilateral emergiu na doutrina alemã quando se percebeu que a figura do acto administrativo de duplo efeito ou de eficácia dupla (nas palavras do seu pai teorizador HANS-WERNER LAUBINGER aquele é um “acto de autoridade que cria ou declara um direito subjectivo público ou privado, ou uma vantagem especial juridicamente relevante a favor de uma pessoa, e que simultaneamente atinge um direito subjectivo privado ou público [...] ou ainda que contém uma declaração desfavorável relativamente a um direito”) não consubstanciava uma figura totalmente adequada para explicar os distintos relacionamentos que se estabeleciam amiúde entre vários particulares lesados, uns perante os outros ou perante a Administração Pública.
Voltando ao exemplo da emissão de uma autorização administrativa de poluir, notamos indubitavelmente que esta constituiria um acto com eficácia dupla, uma vez que simultaneamente repercute-se positivamente sobre o proprietário da indústria e negativamente sobre os vizinhos.
No entanto, rapidamente, chegou-se à conclusão de que a simples figura do acto administrativo, como forma de fundamentar a intensidade das ligações em presença, pecou por não ser capaz de justificar a existência de certos outros direitos e deveres não menos relevantes neste domínio (como o direito do vizinho a participar no procedimento administrativo, ou, o dever da Administração ponderar, na sua tomada de decisão, a posição jurídica do vizinho com o mesmo grau de intensidade da de quem requereu a autorização, ou ainda, o direito do vizinho a que a Administração fiscalize a obra e o cumprimento de certas imposições legais).
Por tudo isto, parece-me que o acto administrativo, tout court, é útil mas não tem a eficiência necessária para explicar toda a complexidade de relações jurídicas que emergem da realidade ambiental e que pressupoêm a existência de direitos e deveres não só concomitantes ao procedimento, mas também anteriores e posteriores.
Neste sentido, concordo com o Sr. Prof. VASCO PEREIRA DA SILVA quando refere que o acto de duplo efeito é apenas “um momento dessa relação jurídica multilateral” (in Em busca do Acto Administrativo Perdido, pp.277 e 278). Isto porque são os interesses contrapostos em presença que devem determinar a eficácia dupla do acto e não esta que impõe a ponderação de interesses de terceiros não imediatos destinatários do acto.

Feitos estes esclarecimentos iniciais, cumpre agora averiguar o modo como a emergência deste fenómeno foi recolhido pelo Direito Português.
O nosso Ordenamento Jurídico considera que todas as pessoas são titulares de direitos subjectivos perante as autoridades públicas, direito subjectivo este etendido em sentido amplo, enquanto proveniente de uma panóplia de fontes (que podem ir da Lei Fundamental a um simples acto administrativo).
De qualquer modo, o que releva neste ponto consiste na faculdade de, à luz dos direitos fundamentais consagrados na CRP, qualquer particular, mesmo que não destinatário de actos administrativos, poder ser protegido no caso de ser lesado por uma actuação administrativa.
De facto, esta concepção de direitos subjectivos públicos resulta das normas constitucionais que consagram direitos fundamentais (arts. 12ºss), bem como de legislação ordinária, mais propriamente o CPA, quando, no seu artigo 53º, desenvolve o âmbito subjectivo da legitimidade procedimental.
Atente-se especialmente no art. 53º/2 a) que, ao estabelecer a legitimidade para a protecção de certos interesses difusos, ressalva o direito ao ambiente como um bem fundamental. Deste modo, o legislador ordinário reconhece um direito de defesa dos particulares com base nos direitos fundamentais, com o fim de prevenir eventuais agressões futuras decorrentes de actuações de autoridades administrativas. Repare-se que este direito de defesa não obsta, antes exige que seja complementado com a possibilidade do particular lesado manter a posteriori o direito de recorrer jurisdicionalmente.

Que conclusão tirar daqui? Uma ideia essencial ressalta aos nossos olhos: é que estes direitos ao procedimento e ao processo têm em comum a sua base, ou seja, posições jurídicas substantivas dos particulares advenientes dos direitos fundamentais.
Por aqui se vê que a consideração do direito ao ambiente como um direito fundamental abre-nos facilmente a porta para a concretização das relações jurídicas multilaterais, com todas as vantagens que tal implica para a legitimidade de qualquer particular ser sujeito em uma relação daquele tipo, quer seja imediato destinatário dos actos administrativos, quer seja reflexamente afectado pela actuação administrativa.
Assim sendo, para quem defende a posição anteriormente delineada, no Direito do Ambiente o particular seria titular de direitos subjectivos públicos dentro de relações jurídicas administrativas com características multilaterais, no âmbito das quais se intercruzam os interesses da Administração Pública, do poluidor ou eventual poluidor e daquele que sofre com a poluição ou que irá sofrer previsivelmente.
Por outro lado, mesmo para quem nega a existência de um direito fundamental ao ambiente e, ao invés, sobrevalorizando a sua vertente objectiva, considera que o art. 66º apenas impôe um dever fundamental ao ambiente (como é o caso da douta CARLA AMADO GOMES), mesmo para estes o particular teria igualmente legitimidade para ser sujeito de uma relação jurídica multilateral, no sentido de impor a outrem – designadamente ao Estado, através das suas autoridades legislativas, administrativas e judicias – “uma adequada protecção dos bens ambientais através de prestações normativas que previnam e sancionem actuações lesivas” (CARLA AMADO GOMES, in Textos Dispersos de Direito do Ambiente, p. 23).
Adoptando a tese da natureza jusfundamental do direito ao ambiente (pois parece-me ser a mais consentânea com a forma como a realidade ambiental é tratada pela nossa Ordem Jurídica e, mais especificamente, pela nossa Constituição), é oportuno passar agora à análise da segunda parte da questão.

Na verdade, sendo o direito fundamental ao ambiente pressuposto da existência de relações jurídicas administrativas multilaterais, pode ser invocado, não apenas nas relações verticais indivíduo/Estado, mas também nas relações interprivadas - neste seguimento, VITAL MOREIRA,GOMES CANOTILHO e VIEIRA DE ANDRADE. O último autor chega mesmo a referenciar que não se justifica, hoje, na nossa “sociedade técnica e de massas”, a ideia de que “os direitos fundamentais não valem contra os sujeitos privados, de que são direitos que os indivíduos apenas podem ôpor aos Estados, aos poderes públicos” – é o que a doutrina alemã denomina de eficácia horizontal dos direitos fundamentais.
No entanto, o Sr. Prof. VASCO PEREIRA DA SILVA distingue duas modalidades de vinculação das entidades privadas: uma a título principal que cabe às entidades privadas dotadas de poder e que estão obrigadas, não apenas a respeitar mas a colaborar com os particulares para a plena realização dos seus direitos fundamentais; e uma vinculação a título secundário que cabe a todo e qualquer indivíduo de respeitar um direito fundamental reconhecido a alguém e que consubstancia um dever geral de respeito (A vinculação das entidades privadas pelos direitos, liberdades e garantias, in Revista de Direito e Estudos Sociais, p. 272).
Feitas estas considerações gerais, cabe deixar claro que, na esteira de alguma doutina (com relevo para VASCO PEREIRA DA SILVA, GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA), considero que o direito fundamental ao ambiente tem uma natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias, pelo que goza do respectivo regime jurídico, nos termos dos arts. 17º/1 e 18º/1 da CRP.
Todavia, impõe-se esclarecer que a vinculatividade deste direito perante os privados reconduz-se unica e exclusivamente à sua vertente negativa que preconiza um direito de defesa contra quaisuqer agressões ilegais, quer provenham de entidades públicas ou privadas.
Por sua vez, na sua vertente positiva, enquanto direito a exigir uma prestação que permita a realização plena e efectiva dos direitos constitucionalmente protegidos, somente tem a capacidade de vincular o Estado e os poderes públicos.

Em jeito de conclusão, louvo as palavras de BAUER quando refere “que o Direito Administrativo de hoje já não pode ser mais concebido como um direito de colisão entre interesses públicos e privados, mas sim como uma espécie de direito de distribuição entre interesses privados perante a Administração Pública”.


2 – Para analisar a presente questão cumpre fazer uns breves esclarecimentos prévios, tendo em conta que o fenómeno ambiental é rico em análises conceptuais variadas.
Desde logo, há que esclarecer o que se entende por Ecologia e o que se considera ser o Ambiente para, consequentemente, se partir, com a mente mais clarificada, à análise do problema.
Então, o que é a Ecologia?
Parafraseando FERNANDO CONDESSO, é a “ciência que estuda as relações dos seres vivos com o seu meio, o ambiente, enquanto suporte fisico que torna a vida possivel”. Por outras palavras, é o ramo da biologia que estuda as interrelações dos seres vivos com o ambiente em que se integram. Deste modo, a ecologia tem como objecto de estudo os ecossistemas, enquanto conjuntos interrelacionáveis entre biocenoses (conjunto de espécies animais e vegetais que coexistem e que têm entre si relações no seu biótopo) e os seus suportes físicos – os biótopos (suporte inorgânico de uma espécie, substracto constituido pela água, solo e pelos factores químicos e físicos).

Chegados a este ponto, cabe agora indagar sobre o que será o Ambiente?
Num conceito amplo, constitui os elementos naturais e os humanos construídos, ou seja, o conjunto de factores fisico-naturais, sociais, culturais e económicos que interagem entre si com o indivíduo e a comunidade.
Já quanto ao seu conceito mais restrito, os autores divergem quanto ao seu conteúdo. Enquanto FERNANDO CONDESSO considera que tem, uma índole antropocêntrica, no sentido de que abrange os elementos físicos de que o Homem necessita para existir (como a água, a terra, os vegetais, os animais), GOMES CANOTILHO e CARLA AMADO GOMES entendem que esta noção mais estrita centra o seu âmago apenas nas componentes ambientais naturais, reduzindo-se ao conjunto de recursos naturais.

Note-se que a nossa CRP – no seu art. 66º - bem como a nossa LBA – no art. 5º/2 a) – adoptam uma concepção globalizadora, já que abrangem tanto os factores naturais como aqueles entretanto construídos pelo homem.

Concordo com FUENTES BODELON quando advoga a adequação desta noção ampla à realidade ambiental, uma vez que “todos os factores que integram o mundo natural estão relacionados em interacção contínua e profunda (...) dando-se esta relação também com o mundo artificial ou humano”.
Todavia, o reverso da medalha é que esta abordagem torna difícil a positivação de tantos pontos de vista. Por isso, penso que seria útil desenvolver uma noção estrita de ambiente, centrada essencialmente nos componentes naturais, em virtude do obstáculo que é a enorme heterogeneidade deste conceito, por forma a torná-lo operativo à face do Direito. Parece-me, na esteira de GOMES CANOTILHO (in Introdução ao Direito do Ambiente, p.23), que este conceito tem mais vantagens quando encarado na perspectiva de garantir a preservação e manutenção dos elementos ambientais naturais (maxime do ar, água, solo, sub-solo, fauna e flora). Na realidade, julgo que os componentes ambientais humanos não são menos importantes, porém, devem ser relegados para um plano secundário, no sentido de apenas serem tidos em conta na medida em que não coloquem em causa os naturais.

Chegados a este ponto, cabe responder à pergunta em epígrafe.
Efectivamente, uma tomada de posição sobre a indagação presenteada depende de uma opção que cada autor fizer de entre duas das quatro teses a seguir referenciadas:
- Entender a tutela do bem jurídico ambiente com base em uma concepção ecocêntrica (considerando-se a Natureza como um bem em si mesmo merecedor de tutela, sendo o homem uma simples parte integrante da Natureza) ou por via de uma concepção antropocêntrica (visando-se salvaguardar os bens da natureza como fontes de utilidade para a vida humana)?
- Trabalhar no sentido de proceder a uma sistematização da proliferação dos textos normativos, oriundos de variadíssimas fontes, que têm como objecto o ambiente, bem como trazer para o Direito conceitos que, por ora, só à ciência dos ecossistemas diz respeito, com o objectivo último de elaborar um verdadeiro Código do Ambiente; ou será preferível um esverdeamento dos vários ramos do Direito que tratam da realidade ambiental?

Relativamente à primeira questão sub judice, julgo que teria toda a utilidade encontrármos um tertium genus entre as duas principais posições extremas referentes à matéria, pelo que atrever-me-ia a idealizar uma nova concepção mais féxivel – o Antro-ecocentrismo. Passo a explicar esta minha posição...
O ambiente é um sistema de relações, um conjunto de equilíbrios e forças concorrentes que condicionam a vida de um determinado grupo biológico.
No entanto, hoje existe uma tal combinação de elementos sociológicos, económicos e tecnológicos que se corre o risco de não se conseguir delinear a fronteira entre o meio ambiente e a civilização. Como refere FERNANDO CONDESSO “hoje já nenhum, ou quase nenhum, ambiente é puramente natural, alheio a uma acção antrópica” (sublinhado nosso).
Neste sentido, julgo que vivemos em um tal mundo de globalização e em uma tal era de desenvolvimeno perigoso da tecnologia, que torna-se imperioso olhar para a protecção do nosso meio ambiente, em função dele mesmo, como uma valor em si, mas também enquanto um objecto útil para o Homem. Na realidade, parece-me que estas perspectivas, aparentemente opostas, são, hoje em dia, de tal maneira indissociáveis, que urge criar-se uma nova filosofia, uma nova fase da história da humanidade em que o ser o humano e a natureza se cindam num conjunto harmonioso e, paradoxalmente, bucólico civilizacional.
Neste contexto, louvo as palavras de FREITAS DO AMARAL quando afirma que “o Direito do Ambiente (...) é o primeiro ramo do Direito que nasce, não para regular as relações dos homens entre si, mas para tentar disciplinar as relações do Homem com a Natureza” (Apresentação, in Direito do Ambiente, p.17).
Neste seguimento refere MARINO REVEDIN: “L’order public écologique (...) est en tous ses effets un droit, compte tenu que ce n’est pas seulement le simple fait de co-exister, de vivre ensemble mais de vivre ensemble dans un espace (...) commun qui constitue le fondement premier du droit. Non simple être-avec mais y-être-avec (L’Écologie entre Idéologie et Méthodologie Juridique, in L’Ordre Public Écologique, p.31)
Assim sendo, penso que o ambiente deve ser preservado através de uma tutela autónoma, como o fim de alcançar o equilíbrio ecológico máximo, mas, secundariamente, também deve ser protegido enquanto condição de existência dos seres humanos. Noutro contexto, mas com uma ideia que merece toda a minha aprovação, GOMES CANOTILHO afirma o seguinte: “o ambiente é um valor em si na medida em que também o é para a manutenção da existência e alargamento da felicidade dos seres humanos” (in Constituição da República Portuguesa Anotada, anotação ao art. 66º).
Para concluir este primeiro ponto, sublinho que, quanto a mim, a protecção dos componentes ambientais naturais, enquanto tais, deve ser o desígnio principal da tutela jurídica, constituindo a melhoria da qualidade de vida humana um acréscimo positivo que a todos interessa, numa espécie de relação causa-efeito. Já quanto aos componentes ambientais humanos (como o património natural e construído), concordo com GOMES CANOTILHO quando refere que devem ficar a cargo de outros ramos do Direito, designadamente o Direito do Urbanismo e do Ordenamento do Território (in Introdução ao Direito do Ambiente, p.24.)

No que concerne à segunda questão exposta, desde já deixo claro que julgo que os problemas ambientais a que a nossa sociedade actual assiste, apenas de forma muito modesta poderão ser resolvidos pelos juristas, porém, o seu papel não é dispensável.
A ecologia baseia-se na existência de um sistema dinâmico e interdependente que reclama “conceitos englobantes e condições evolutivas”(FRANÇOIS OST, in A natureza à margem da lei: A ecologia à prova do Direito, p.111) como a biosfera (conjunto dos ecossistemas, isto é, dos biótopos e das biocenoses) e o ecossistema (em termos simples, consiste num sistema funcional que inclui uma comunidade de seres vivos e o seu ambiente).
Ora, como facilmente se percebe há uma grande dificuldade de o sistema normativo abarcar a complexidade e globalidade desta realidade, constantemente mutável, uma vez que na natureza não há equilíbrios estáticos, pois estes renascem ou destroem-se em cada momento em função de interacções casuísticas impossíveis de prever a priori.
Apesar de tudo, é com grande satisfação que temos assistido, no último século, a uma evolução louvável, no sentido de levar o legislador, em detrimento de uma visão antropocêntrica e em prol de uma visão mais ecofundamentalista, a perceber a necessidade de proteger os habitats, as espécies e a natureza em geral, como uma valor em si.
De facto, actualmente, a natureza já é considerada pelos juristas (tal denota-se na sua procura pelos instrumentos menos poluidores, no estabelecimento de listas de espécies a proteger...), pois estes já perceberam o quão importante é proceder a uma juridicização da ecologia, enquanto conditio sine qua non de um “ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado”.
Por tudo o que foi exposto, julgo que a transversalidade do Direito do Ambiente não deve constituir um óbice para a sua uniformização num Código Jurídico único, por forma a aumentar a operatividade deste ramo do direito, bem como a sua efectividade, através de uma maior simplificação, perante os cidadãos em geral, tendo em conta a tradicional máxima ignorantia iuris non excusat.
Em minha opinião, esta possibilidade de unificação, aliada a campanhas de sensibilização da população para os problemas ambientais, teriam, com alto grau de probabilidade, um efeito utilmente benéfico na tomada de consciência ecológica de cada cidadão individualmente considerado...e eu penso que é sobre cada pessoa que se deve actuar (providing that,como se diz na gíria inglesa, charity begins at home), em vez da publicitação de mesagens dirigidas a uma opinião pública generalizada não concretízável que não chama verdadeiramente a atenção...é preciso chocar!!!
No entanto, tendo consciência da imensa complexidade que seria criar, de momento, um Código do Ambiente, penso que seria apropriado que as nossas instâncias legiferantes elaborassem, desde já, um diploma que provisoriamente codifique uma espécie de Parte Geral deste ramo do direito onde se estabeleça, como refere VASCO PEREIRA DA SILVA, os princípios gerais, os direitos e deveres principais, a organização administrativa do ambiente, os principais procedimentos decisórios especiais, as formas de actuação dos poderes públicos e o contencioso do ambiente (in Verde Cor de Direito, p.41)

Deste modo, faço das palavras de ALEXANDER SCHMIDT a minha campanha estudantil : “mehr Umweltschutz durch weniger Normen” (mais protecção do ambiente através de menos normas).

Em suma, pelos argumentos atrás expostos, julgo que a Sociedade portuguesa só teria a ganhar com uma Juridicização da Ecologia!!!

Pedro Reis disse...

2.Penso que em termos de definições e conceptualização operativa já existem participações suficientes para formar uma ideia razoável do que está em discussão.
Portanto prefiro limitar esta participação ao que julgo ser o essencial.
E isso parece-me centrar-se no novo quadro de ponderações que se impõe ao jurista ambiental e administrativo.
Partindo da constatação de que as preocupações ecológicas, apesar de tudo, são pré-existentes ao auge deste novo ramo do Direito que é o Direito Ambiental, a sensibilidade jurídica aponta para algo que se me apresenta como inegável, que é um novo valor do ambiente como bem jurídico na consciência jurídica dos julgadores e decisores.
Sem grandes incursões pela técnica jurídica de interpretação dos preceitos constitucionais, aqui tão referidos, a verdade é que com o Direito do Ambiente esses próprios preceitos parecem insuflar-se de uma nova força jurídica nas decisões jurisprudenciais relevantes nesta matéria dos últimos anos.
E isto porque, tal como é a minha convicção, esta combustão interna dos grandes princípios jurídicos não é estanque a preocupações externas ao sistema jurídico, o que me leva a crer que a nova dimensão da tutela do ambiente e a nova axiologia e metodologia ( nomeadamente veja-se a discussão em torno do princípio da precaução e o da prevenção ) que se lhe associam, vêm da realidade fáctica exterior para o Direito, não tendo sido geradas por reflexão jurídica, e não do Direito para a Sociedade. O que de resto não implica grande choque, pois surge com alguma naturalidade que a precaridade do meio ambiente implique um maior resguardo do mesmo. Assim, vejo o Direito material do Ambiente como uma reacção jurídica a situações externas à dogmática. Penso ser então possível, e desta forma, determinar de onde vem o impulso para a tutela ambiental, mas já não parece pensável uma ecologização do pensamento jurídico sem a correspondente juridicização da ecologia, como parece apontar Gomes Canotilho.
Porque, como notava Duhrenmatt, quando uma sociedade entra em conflito com o seu presente produz leis (não se entenda como reduzindo o Direito ao fenómeno legista mas como referência pragmática deste Autor).
Este movimento de produção legislativa aproxima-se mais de uma juridicização da Ecologia do que de uma ecologização do Direito, na medida em que esta última consubstancia ao invés, um novo "peso" dos bens jurídicos ambientais no "balanço de sacrifícios" que o privado e o público devem realizar para manutenção de um bem do qual ambos usufruem.
Com isto, atente-se, não se pretende caminhar ainda para um "in dubio pro natura" no campo dos juízos de prognose e discernimento causal, mas sim realçar que hoje o direito ao ambiente reveste um acréscimo valorativo no confronto com outros direitos, muito devido a esta nova lucidez de consciência reclamada pelas próprias dificuldades que atravessa o meio ambiente.
Assim, vendo um pouco de ambos os aspectos ( ecologização do Direito e juridicização da Ecologia )no actual panorama jurídico em que se enquadra a tutela do ambiente, tal centro de recta em que se encontram, vindos das extremidades, esses dois aspectos, cumpre abandonar o que existe e deixar uma pequena reflexão sobre o que seria o melhor caminho a seguir.
Em coerência com o que, bem ou mal, se disse no início começa agora por dizer-se que no duelo entre o pragmatismo antropocêntrico e o idealismo biocêntrico, devem, como já alguém aqui neste blog disse, evitar-se os extremos. Desde logo porque não se pretende nesta matéria opções apaixonadas mas uma mera e já de si difícil de alcançar, sustentabilidade.
Agora, isto não impede seguir uma tendência, que é real fora do Direito, que é a de dar "prioridade
restrita" aos valores ambientais, em igualdade de circunstâncias sempre que possível.
O que, evidentemente, não afasta o crivo da razão e só pode, bem vistas as coisas, ser aferido no caso concreto( sem prejuízo das tentativas de construção dogmática ), não se entendendo como benéfico o desprezo pelas preocupações económicas, até porque, sem vidência, se entrevê por detrás destas, por muitas camadas que existam de interesses menos valiosos para a humanidade como um todo, um valor também importante do qual por sua vez se ponderam interesses tão legítimos como o direito ao ambiente, como seja uma existência digna de quem desses elementos depende em circunstâncias precárias, apontando como exemplo fácil os postos de trabalho.
Com isto não se pretende insinuar que o direito ao ambiente se apresenta como um direito "de classes privilegiadas" mas sim que a nova tendência valorativa que se pensa ter notado deve abster-se de extremismos, e se é isso que significa o elemento ecológico, então prefere-se um Direito ecologizado como meio de tutela do ambiente.
Até porque, e tendo Direito numa acepção ampla, julgo que existem recursos jurídicos dentro do Ordenamento suficientes para, reformulados na sua interpretação e inspirados neste fluxo de "preocupação realista" obterem uma protecção razoável dos bens ambientais, evitando aquilo que se realçou no início do texto, a profusão legislativa para dar sustento à Ecologia, que poderá não ser sensível ao elemento económico ( o que seria de resto previsível e talvez até natural ) desprotegendo outros direitos tão fundamentais e importantes como o direito ao ambiente, é preciso saber ver por detrás das movimentações economicistas, o que se esconde na situação por vezes precária daqueles que destas dependem, tal a eventual experiência trágica do duelo entre o elemento económico e o ambiental.

Bernardo disse...

I. A sociedade tende a criar condições cada vez mais ideais para o bem-estar e desenvolvimento dos cidadãos: estes estão no centro da sua actividade. Basta atentarmos à preocupação histórica que todas as civilizações foram tendo com a criação e desenvolvimento dos seus direitos fundamentais: o Homem é o centro, e ao seu redor gira o funcionamento da sociedade.
Assim, várias foram as maneiras de olhar e proteger a dignidade do cidadão, tendo-se desenvolvido consequentes “gerações de direitos fundamentais”, no sentido de preocupações e meios de protecção do Homem. No seguimento deste entendimento, e dados os maiores riscos em que se encontra o Ambiente desde os últimos cinquenta anos, com a consequente diminuição da qualidade de vida que daí deriva, é usual, quer na doutrina portuguesa (Vasco Pereira da Silva), quer na estrangeira (Bobbio), referir o Direito ao Ambiente como um direito fundamental, dado que é necessário um desenvolvimento sustentável que salvaguarde o direito do cidadão viver num ambiente que lhe possibilite a total expressão das suas potencialidades quer físicas quer mentais e uma criação de relações sociais normais, integradas num ambiente limpo e não perigoso.
Como se vê, o objectivo primeiro das preocupações ambientais não é o Ambiente em si, mas a possibilidade do Homem se desenvolver “normalmente” num ambiente favorável. E isto, embora talvez não devesse ser assim, é tanto mais verdade quanto mais observamos a realidade à nossa volta, com países a não aderirem a pactos de não-poluição por meros interesses económicos, ou entidades que diariamente tiram enormes proveitos económicos destruindo o “pulmão do mundo”, a floresta da Amazónia.
Aparentemente, passa ao lado das políticas dos maiores países o facto de que é o ambiente o “meio mais importante que consente ao Homem viver com dignidade e bem-estar, exprimindo, assim, a sua personalidade” (Alexander Kiss).
No nosso direito constitucional, temos referências ao Direito do Ambiente quer no art.9.º, como tarefa fundamental do Estado, quer no art.66.º, como direito fundamental (também noutros artigos encontramos referências ao ambiente, mas interessam-nos sobretudo estes, por agora). De um lado temos fins a desenvolver pelo Estado, no art.9.º, do outro lado temos direitos subjectivos públicos do indivíduo, que o habilitam a defender-se contra qualquer agressão. As regras sobre os fins do Estado não garantem ao indivíduo um direito subjectivo de acção ou reclamação, o que já acontece com a previsão de direitos fundamentais. Nas primeiras há uma certa liberdade deixada aos órgãos do Estado relativamente à maneira como aqueles objectivos vão ser prosseguidos, por seu lado, o conteúdo de um direito fundamental não está na disponibilidade dos órgãos do Estado.
A protecção do Ambiente na CRP é, portanto, abrangente, não tendo apenas como fim definir um rumo de política ambiental, mas também atribuir ao cidadão a defesa contra agressões a este direito; o ambiente é observado quer como fim em si mesmo, quer como bem útil e essencial ao Homem, como nos mostra a Lei de Bases do Ambiente, quando define o direito em questão como “conjunto de sistemas físicos, químicos e biológicos e as suas relações, e (conjunto) dos factores económicos, sociais e culturais com efeito directo ou indirecto, mediato ou imediato, sobre os seres vivos e a qualidade de vida do Homem”.
Sendo inequivocamente um direito fundamental, consagrado na Constituição (art.66.º), podemos responder à pergunta sobre se este direito cria relações jurídicas ambientais, atendendo ao regime dos direitos fundamentais, começando por reflectir sobre princípio da universalidade, quando afirma que “todos quantos fazem parte da comunidade política, fazem parte da comunidade jurídica, são titulares dos direitos e deveres aí consagrados” (Jorge Miranda). Temos aqui uma perspectiva quantitativa do direito do Ambiente, pois todos quanto são cidadãos têm direito ao Ambiente.
Como direito fundamental, o Direito ao Ambiente goza, por definição, de tutela jurisdicional, com sede básica no art.20.º CRP. Além disso, e virando-nos agora para o regime específico dos direitos fundamentais, vemos que estes gozam de aplicação imediata, segundo o art.18.º, na sua primeira parte, vinculando quer entidades privadas, como se vê ainda na primeira parte do mesmo artigo, quer entidades públicas, segunda parte do artigo. No raciocínio do professor Jorge Miranda, para terminar, “não se compreenderia uma sociedade e uma ordem jurídica em que o respeito e a dignidade da autonomia da pessoa fosse procurado apenas nas relações com o Estado e deixasse de o ser nas relações das pessoas entre si (…). É preciso assegurar o respeito das liberdades de cada pessoa pelas demais pessoas.
Respondemos à primeira pergunta lançada tentando debruçarmo-nos mais sobre a perspectiva do regime dos direitos fundamentais, esperando com isto trazer alguma alternatividade às respostas já lançadas.
Concluímos, portanto, que sim, que a previsão do direito fundamental ao Ambiente cria relações não só entre Estado e cidadãos, mas relações de cidadãos entre si.



I. Está em causa a perspectiva com que devemos olhar o Direito do Ambiente, o caminho que este ramo do Direito deve seguir: se uma juridicização de Ecologia, em que o papel a destacar seria dado ao Ambiente enquanto valor ou fim em si mesmo; se ecologização do Direito, em que o desenvolvimento normativo da matéria Verde teria, em última análise, em vista o Homem enquanto destinatário do interesse em viver num Ambiente bom e saudável.
A resposta deverá estar, como em quase tudo na vida, no equilíbrio entre os dois pontos de vista: o Verde deverá ser visto, e hoje em dia cada vez mais, como um fim em si, como um valor cuja protecção é tanto mais fundamental quanto mais a sua qualidade escasseia; por outro lado, o Homem não deverá ser totalmente alienado e afastado quando está em vista a protecção do Ambiente. A meu ver, a palavra-chave é desenvolvimento sustentável, já que este conceito permite exactamente entender que um ecocentrismo pleno, apresentado pela juridicização de Ecologia, como ramo de Direito, será o princípio de radicalismos que a nenhuma facção dos defensores do ambiente interessará. Também uma pura ecologização do Direito não trará benefícios, pois, deste lado, a tendência será a normativização da matéria Verde tendo como principal fim o Homem.
Bernardo do Valle de Castro

ana isabel silva disse...

1. A multilateralidade das relações societárias jurídico-ambientais deriva do efeito exercido pela subjectivização do direito ao ambiente. Na realidade a consideração do direito ao ambiente como um direito de “dupla natureza”, como afirma Konrad Hesse, permite que este possua uma face objectiva com a consagração de uma tarefa do Estado (art. 9 e) e d) da CRP) e uma vertente subjectiva que prevalece sobre a anterior. Como salienta o Professor Gomes Canotilho, o estabelecimento deste direito fundamental (art. 66 da CRP) permite a consideração de direitos de conteúdo mais amplo que provocam um alargamento das relações anteriormente pensadas como bilaterais. Assim, esta relação não se estabelece apenas entre o Estado/ Administração Pública e o privado mas concebe uma teia de relações face a todos os afectados com a medida em causa. Saliente-se, a este respeito os actos autorizativos jurídico-públicos de efeito preclusivo que permitem uma restrição dos direitos de terceiros e provocam um dever de suportabilidade que culmina no direito de compensação de sacrifícios (veja-se neste domínio o art. 41 da Lei de Bases do Ambiente), em regra, pelo poluidor pagador (mas não excluem ilícitos do âmbito civil e penal). Corrobora com esta perspectiva a legitimidade conferida aos diferentes titulares de direitos subjectivos de efectivarem a sua protecção a nível processual (art. 52/3 a) da CPA) como uma exigência que radica na dignidade da pessoa humana. Na realidade, a acção popular regulada pela lei 83/95 de 31 de Agosto apenas acresce à tutela subjectiva na defesa de interesses objectivos ou daqueles cuja especificação é impossível. Refira-se, também, que o regime inerente aos direitos fundamentais com a sua oponibilidade a entidades públicas e privada (art. 18 da CRP) é corolário da indispensabilidade de relações multipolares de carácter aberto.
Não obstante, a consagração do direito fundamental ao ambiente deriva de uma constante mutação da sociedade face às considerações ambientais, sendo que a partir desta premissa se desenvolve um conceito de direito ambiental que procura estender o direito fundamental do indivíduo na fruição dos seus plenos direitos ambientais – numa clara perspectiva de influência da realidade exterior sobre o direito.
Em suma a consagração de um direito fundamental conduz à uma ampla protecção de diversos sujeitos titulares do direito ao ambiente, desencadeando uma cadeia de relações de contorno alargado.


2. A discussão sobre a potencial dicotomia, que o Professor Gomes Canotilho colocou em questão entre a “ jurisdicização da ecologia” ou a “ecologização do direito” interfere com a conexão entre as duas doutrinas. Na realidade, a complementaridade é o âmago em que se desenvolve esta relação na medida em que preconizam a efectiva tutela ambiental. Não obstante, verificamos por um lado que a primeira abordagem implica a transversalidade do direito numa visão antropocêntrica do ambiente. Por outro lado, a segunda óptica invoca o direito do ambiente como ramo autónomo com a consagração da indispensabilidade do ambiente invadir a esfera jurídica numa clara visão ecocentrista. A conjugação das doutrinas permite que o direito enquanto realidade cultural que exprime as necessidades da sociedade regule as relações entre o Homem e a Natureza. Considerar a tutela ambiental de uma forma objectiva e subjectiva permite adensar a protecção ambiental de forma a conciliar o meio humano com o meio natural. A atitude de preservação e sustentabilidade do ambiente, atribuindo direitos subjectivos de tutela e perspectivando o ambiente como um bem jurídico,sem decair em extremismo, torna-se fulcral no âmbito do direito do ambiente. A consagração de valores ambientais e princípios revela-se fundamental mas também a interpretação à luz da “ecologia” dos diferentes ramos do direito que permitem a efectivação da tutela ambiental. Face ao exposto, desvela-se a axiologia patente e inerente aos direitos referidos que se demonstra na sua protecção seja através de acções positivas ou negativas. As conceptualizações inerentes à jurisdicização da ecologia e ecologização do direito salientam ainda a problemática económica na vertente da indisponibilidade de recursos naturais para a satisfação das necessidades da Humanidade, evidenciando outro ponto de interesse que deve ser harmonizado com a protecção ambiental. Consequentemente, a garantia de sustentabilidade do ambiente, ponderando os benefícios de natureza económica com os prejuízos ambientais e afastando aqueles que são incomportáveis para a tutela constitucional do ambiente deve ser realizada através da conjugação do ecocentrismo e do antropocentrismo, conduzindo a uma “ media via “. Como refere o Professor Bacelar Gouveia o texto constitucional contém uma “orientação a favor da Natureza que não pode ser olvidada”, logo o legislador deve prosseguir a “media via” no sentido de beneficiar o Ambiente evitando as agressões externas e internas com a “jurisdicização da ecologia” e a “ecologização do direito”.

Rita Gomes Pinheiro disse...

1-Para muitos autores (Bachof, Brohm, Henke e Bauer, entre outros) a relação jurídica surge actualmente como um novo conceito central do Direito Administrativo, capaz de ocupar a posição que pertence tradicionalmente ao acto administrativo. Isto porque a relação jurídica permite enquadrar melhor todo o universo de ligações entre a Administração com os particulares.
“O acto administrativo representa simplesmente um instante no quadro das relações que se desenvolvem entre os interessados”. E a relação jurídica “ é um instituto muito mais amplo” (Bachof), isto é, possui um âmbito de aplicação muito maior do que o acto administrativo.
Segundo Henke, a relação jurídica deve constituir o “ponto de partida da sistemática jurídica (…) tem de ser no Direito Público, a figura fundamental de todo o sistema, tal como o é no Direito Privado.” (“in Em Busca do Acto Administrativo Perdido, Vasco Manuel Pascoal Dias Pereira da Silva, Colecção Teses-Almedina”).
Segundo António Lorena de Sèves não se pode entender que o acto administrativo e a relação jurídica sejam duas noções que se excluem, mas antes dois conceitos que se complementam reciprocamente (“in CEDOUA - Revista do Centro de Estudos de Direito do Ordenamento, do Urbanismo e do Ambiente, Ano I”).
Mas a mera figura da relação jurídica bilateral, não consegue explicar todas as relações jurídicas administrativas que se verificam a nível do Direito do Ambiente, pois não existe um esquema referencial binário - de um lado os poderes públicos administrativos e do outro lado o(s) particular(es). Tal papel é melhor desempenhado pela relação jurídica administrativa multilateral que resulta da diversidade e interpenetração dos vários interesses públicos e interesses privados entre si e uns com os outros, ou seja, só com as relações jurídicas multilaterais o direito fundamental ao ambiente ficará devidamente tutelado, uma vez que no Direito do Ambiente estabelece-se uma série de ligações complexas entre diversas entidades públicas e privadas.
Vejamos o exemplo do licenciamento de uma actividade industrial. Este procedimento não se reconduz a uma relação meramente bilateral entre a autoridade licenciadora e o particular requerente do licenciamento. Antes faz emergir várias relações em que se interpenetram interesses públicos e privados, muitas vezes conflituantes e que carecem de uma cuidadosa ponderação e articulação.
Quais são os traços estruturais destas relações jurídicas administrativo-poligonais ou multipolares? Segundo José Joaquim Gomes Canotilho, na senda de Rudolf Steinberg são quatro: 1 – programação legal relativamente ténue, isto é, existe uma fraca densificação normativo-legal; 2 – complexidade de situações e tarefa de avaliação de riscos apelativos de conhecimentos técnico-científicos; 3 – pluralização e interpenetração de interesses públicos e privados; 4 – legitimidade de intervenção dos interessados no acto procedimental praticado pela administração (“in Revista Jurídica do Urbanismo e do Ambiente” - nº 1 - Junho 1994).
Mas a figura da relação jurídica multilateral é suficiente para a compreensão de todos os fenómenos de multilateralidade da Administração, nomeadamente ao nível administrativo-ambiental? Alguns autores, como Achterberg entendem que sim. Para Vasco Pereira da Silva não, na medida em que este considera que os actos regulamentares não configuram “uma ligação relacional entre a autoridade administrativa reguladora e todos, e cada um dos destinatários dessa norma”, pelo que os regulamentos constituem um limite à aplicabilidade da figura da relação jurídica multilateral. Contudo, há que salientar que isto não põe em causa, nem tira o valor e o mérito da figura da relação jurídica multilateral para explicar quaisquer outros fenómenos jurídico-administrativos.

Pedro Reis disse...

1.De tudo o que foi dito, penso que cabe destacar o que me parece ser essencial e isso é a subjectivação do direito ao ambiente.
É desta fonte que surgem todas as manifestações da relações jurídicas multilaterais.
Perante o conhecido fenómeno de assimilação pelo Direito Público de traços e institutos característicos de Direito Privado pode melhor entrever-se que o Direito Público, no caso o Direito Administrativo, parece atravessar algo que o Direito Privado já atravessou, corporizado na Relação Jurídica.
A noção de Direito Subjectivo é sempre fecunda nestas consequências e a sua assimilação pelo Direito Público, para a qual o Direito do Ambiente contribui decisivamente como catalisador do fenómeno, vai originar uma alteração substancial no conceito de terceiro face ao binómio clássico Administração-destinatário do acto administrativo.
Isto porque perante a consagração do direito ao ambiente na CRP (e a sua inserção na tutela subjectiva de direitos como faz o Professor Vasco Pereira da Silva)o terceiro aparece não já num contexto objectivo indiferenciado mas como titular de um verdadeiro direito subjectivo público (conceito que ocupou a doutrina alemã, desde a primeira noção proposta por Buhler até à Schutznormtheorie que acabou por reunir mais Autores)o que implica que já não se trata, quanto a este, de protecções reflexas autoritariamente ignoradas, mas de de uma renovada legitimidade sem ter que recorrer à tutela objectiva, menos generosa para o particular.
A Administração encontra agora, interceptando-se num acto administrativo, interesses e direitos de vários sujeitos autónomos que obrigam esta a um esforço de concordância prática na medida da oponibilidade recíproca dos direitos subjectivos com sustento constitucional e até noutras camadas de interesses como sejam os "interesses difusos".
O conceito de terceiro na relação jurídico-administrativa tem que ser encarado de forma diferente à luz desta corrente subjectivista em que cada um pode agir por si para defender a "parcela ambiental" que lhe cabe, não mais dissolvendo-se nas formas objectivas de defesa do Direito ao Ambiente, de menor eficiência ( também de acordo com a visão subjectivista do Professor Vasco Pereira da Silva que encontra sustento constitucional para tal).
Assim se estabelece um edifício de relações jurídicas multilaterais, num ambiente marcado pela exigibilidade de condições ambientais e ecológicas perante o Estado-Administração e de oponibilidade e repressão de agressões à esfera jurídica pessoal na vertente de violação de um direito ao ambiente com base subjectiva e respectivo reflexo processual (cujo melhor exemplo é, para quem considere pertencer à tutela subjectiva, os "interesses difusos" como fonte de legitimidade em termos de acção administrativa).
Porém, confesso não nutrir preferência pelo modelo "poligonal" a não ser como boa ilustração da complexidade-tipo das relações jurídicas multilaterais que se constroem à volta de um acto em concreto, na medida em que a agilidade da vida e a criatividade jurídica desenvolvem os vértices em que se encontram pretensões conexas ou em conflito, de modo a que qualquer forma geométrica rígida pré-elaborada não pareça adequada para mais do que se disse.
Terminando com o que importa reter, dir-se-á que hoje, numa acção administrativa especial de impugnação de acto lesivo de direitos e interesses ambientais pode fazer-se valer direitos e interesses com grau de eficácia razoável, não mais na perspectiva clássica de "terceiro" mas como titular de direitos subjectivos individuais para além de constitucionalmente consagrados, instrumentalmente assegurados e efectivados por esta "intervenção subjectiva" no modo de ver o Direito ao Ambiente, que aliás já se manifesta fora do campo contencioso de litígios, no próprio momento da prática de actos que já devem incluir na prognose necessária a visão integral de toda a rede de potenciais interessados ou afectados, de uma forma diferente da tradicional.

Carlos Figueira disse...

1)
Segundo o professor Vasco Pereira da Silva, a constituição ocupou-se da matérias ambientais na dupla perspectiva da sua dimensão objectiva,enquanto tarefa fundamental do estado(vide,artigo 9º,als d)e e)idem)e subjectiva, reconhecendo aos cidadaos um direito fundamental à tutela ambiental (vide,artigo 66ºidem).
À subjectivização do direito ao ambiente pelo canal da jusfundamentalidade é, de ordinário, apontada a seguinte crítica: a circunstância de estar em causa um bem público, colectivo e, "per naturam", insusceptível de apropriação individual seria um escolho a uma tal concepção. Na esteira do supramencionado Autor, propugno que aquela observação erra o seu alvo. Com efeito, a liça não é animada pela questão de saber se o bem ambiente é ou não apropriável. Na verdade, uma coisa é a tutela objectiva do meio-ambiente. Num plano diametralmente oposto, ainda que incindível, surge a "protecção jurídica subjectiva ambiental, decorrente da existência de um domínio individual constitucionalmente protegido de fruição ambiental"(apud professor Vasco Pereira da Silva), o qual salvaguarda os seus destinatários de ingerências públicas ou privadas. Quer dizer: numa óptica insofismavelmente tributária da corrente antropocêntrica o referido Autor localiza na parametricidade constitucional momentos ou oportunidades jurídicas de aproveitamento individual de um bem que, sendo de todos, não é de ninguém.
Por outro lado, a alteridade e o concurso na fruição que à mesma surge aliado são factores que estão na base de relações jurídicas complexas ou multilaterais. Exemplo desta realidade radica na (cricável) pluralidade de entidades envolvidas no procedimento de avaliação de impacte ambiental (vide artigo 5º do DL69/2000.
Reportando-me à segunda parte da questão, coloca-se com particular acuidade a referência à natureza bivalente do direito ao ambiente enquanto dereito fundamental. De facto, embora sistemticamente, figure no título dedicado aos direitos sociais, na opinião do Professor Joge Miranda assume natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias de harmonia com o artigo 17º da constituição. Grosso modo é admissível a ideia de que aos direitos, liberdades e garantias estao associados deveres de non facere, ao passo que os direitos sociais pressupõem prestaçãoes positivas. todavia lembre se que, desde logo, há direitos fundamentais previstos em normas não exequíveis de per si (vg, artigos 35º e 52/2 da constituição). Feita esta ressalva, cabe afirmar que o direito ao ambiente, na sua dimensão dúplice, exige, não apenas, que o Estado, as demais entidades públicas e bem assim os privados se abstenham de condutas agressivas, mas pressupõe igualmente a efectvação prestações constitutivas.
Em jeito de conclusão podemos afirmar que, integrando o direto ao ambiente o núcleo identitário da constituição (vide artigo 288º idem, o mesmo se assume como um reforçado garante da legalidade administraitva no âmbito de relações jurídicas cada vez mais compreensivas e em que a palavra de ordem é, na senda de Habermas, legitimar pelo procedimento.

Anónimo disse...

1.Uma frase como esta representa uma visão antropocentrista ampla do direito do ambiente, englobando uma tutela objectiva e uma tutela subjectiva. Já não seria assim se se adoptasse uma visão ecocentrista ou antropocentrista puras, dado que estas visões não comportariam a criação de relações multilaterais. De acordo com estas visões o direito fundamental ao ambiente proteger-se-ia ou através de actos unilaterais das entidades públicas ou através de relações entre particulares unicamente. Contudo não é assim, o artigo 66º CRP prevê um direito subjectivo ao ambiente, o que implicará relações entre os particulares entre si e entre estes e o Estado. Também está consagrada uma protecção objectiva do ambiente, prevista no artigo 9º alíneas d) e e), o que levará a criar relações dos sujeitos públicos entre si e deste com os particulares.

2.Juridicização da ecologia parece apontar no sentido de que o ambiente tem que se adaptar ao direito e respeita-lo. Por outro lado, a ecologização do Direito parece apontar no sentido de que é o Direito que se tem que adaptar ao Ambiente e aceita-lo como ele é. O direito é um fenómeno social e humano e por isso condicionado pela realidade fáctica. O Ambiente é uma realidade física (entia physica) sobre a qual o Homem não tem domínio absoluto e o Direito também não. O direito não pode impor que as árvores se multipliquem e que não morram, apenas podendo exigir que se criem as condições para que isso aconteça, esperando que a natureza faça isso por si mesma. Por isso, eu diria que a resposta à questão é ecologização do Direito.

Unknown disse...

A CRP consagra a tutela ambiental não só numa perspectiva objectiva, enquanto tarefa fundamental do Estado (artigo 9.º, alíneas d) e e)), como também numa perspectiva subjectiva, ao estabelecer um direito fundamental ao ambiente e à qualidade de vida (artigo 66.º).

A recondução da tutela do ambiente a um direito fundamental apresenta um duplo fundamento: axiológico, decorrente da dignidade da pessoa humana, e dogmático, resultante da «dupla natureza» dos direitos fundamentais. Por um lado, apresentam uma dimensão negativa, correspondente a uma esfera protegida de agressões estaduais; por outro lado, ao estabelecerem deveres de actuação e tarefas de concretização para os poderes públicos, compreendem também uma dimensão positiva.

Com efeito, a consagração de um direito fundamental ao ambiente implica uma reformulação do conceito tradicional de relação jurídica, decorrente do reconhecimento ao particular do estatuto de sujeito de direito nas relações ambientais que o permite fazer valer a sua posição jurídica subjectiva, perante a Administração e o poluidor. Surge, assim, a relação jurídica multilateral.

O mesmo parece resultar do artigo 53.º do CPA, ao reconhecer aos particulares um «direito de defesa no procedimento», de carácter preventivo em relação a agressões administrativas futuras, e completado, em caso de efectivação da lesão, pelo direito de recurso jurisdicional.

Ália Amadá disse...

O direito ao ambiente é um direito fundamental que apresenta duas vertentes, nomeadamente a negativa, que garante ao titular a possibilidade de defesa face a agressões ilegais, e a positiva, que implica a imposição de actuação por parte de entidades publicas de modo a efecctivar este direito fundamental.

Ao direito do ambiente é aplicavel o regime dos direitos liberdades e garantias quanto à dimensão nagativa e o regime dos direitos economicos, sociais e culturais quanto á dimensão positiva.

A consagração do direito fundamental ao ambiente encerra o reconhecimento aos particulares de uma posição de vantagem face às entidades públicas.

A relação juridica multilateral no dominio do Direito do Ambiente caracteriza-se pelo facto de envolver a Administração, o poluidor e o privado lesadono seu direito ao ambiente.

O direito fundamental ao ambiente permite ao particular a possibilidade de fazer valer a sua posição de vantagem face à Administração e ao poluidor na medida em que reconhece ao particular um "estatuto de sujeito de direito nas relações ambientais" (in Vasco Pereira da Silva, " Verde Cor de Direito", pp. 104).

É, então, através do reconhecimento de uma posição de vantagem e de um estatuto de sujeito de direito que o particular lesado no seu direito ao ambiente pode alegar e defender-se contra agressões a este direito. E quando o particular decida actuar cria-se uma relação multilateral que envolverá o acto praticado pela Administração, a conduta do poluidor com fundamento legal naquele acto e a lesão sofrida pelo titular do direito ao ambiente e criando-se, deste modo,uma relação multilateral cujo fundamento é a existência do direito fundamental ao ambiente.

Ália Amadá disse...

A perenidade dos recursos levou à tomada de consciência relativamente à necessidade de preservar a natureza. E daqui surgiu a temática da protecção juridica do ambiente que nos leva a questionar quem foi feito refém: o direito ou a ecologia.

Em face da realidade penso que ocorreu uma juridicização da ecologia bem como uma ecologização do direito. Isto porque como se verifica o direito foi "tomado de assalto" por preocupações ambientais e procurou desenvolver mecanismos de defesa do ambiente, ou seja, o direito sofreu uma ecologização. E também porque as preocupações ambientais que já se fazim sentir consistiram no impulso para o legislador reconhecer a existência do direito ao ambiente, ou seja, a ecologia sofreu uma juridicização na media em que as preocupações ambientaos passaram a estar na base de várias politicas adoptadas pelo legislador.

Ália Amadá disse...

A perenidade dos recursos levou à tomada de consciência relativamente à necessidade de preservar a natureza. E daqui surgiu a temática da protecção juridica do ambiente que nos leva a questionar quem foi feito refém: o direito ou a ecologia.

Em face da realidade penso que ocorreu uma juridicização da ecologia bem como uma ecologização do direito. Isto porque como se verifica o direito foi "tomado de assalto" por preocupações ambientais e procurou desenvolver mecanismos de defesa do ambiente, ou seja, o direito sofreu uma ecologização. E também porque as preocupações ambientais que já se fazim sentir consistiram no impulso para o legislador reconhecer a existência do direito ao ambiente, ou seja, a ecologia sofreu uma juridicização na media em que as preocupações ambientaos passaram a estar na base de várias politicas adoptadas pelo legislador.

Mara Gomes disse...

Com a consagração de um direito fundamental ao ambiente na própria Constituição permitiu-se um alargamento dos direitos a outros subjectivos privados, ainda que não sejam aos imediatos destinatários de actos administrativos, dando-os assim a possibilidade de alargar o seu direito fundamental ao ambiente, constante do artigo 66º da CRP, nas relações administrativas do ambiente, de modo a fazer valer a sua posição jurídica subjectiva em face da Administração e do poluidor. E com isso vai surgir a tal multilateralidade da relação jurídica ambiental que passa a desenrolar-se entre Administração, o poluidor e o particular cujo direito fundamental é lesado.